O trabalho que deu errado

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Tudo parecia ir bem. Eu estava onde queria, como queria e na luta para conseguir um trabalho, sem experiencia nenhuma. O emprego para alguém na minha situação era atendente de Telemarketing, sabe o que é?, são aquelas pessoas que ficam ouvindo você falar palavrões quando não está satisfeito com o serviço de determinada empresa. Claro que eu não imaginava que era assim.

Os primeiros quinze dias foram ótimos, capacitação. Como atender, o que falar, mas ninguém nos contou que este era o pior emprego do mundo. E eu toda feliz com o emprego. Passei a trabalhar realmente na empresa, porque fui ótima durante o treinamento.

Minha vida virou um verdadeiro inferno. Não tinha feriado, final de semana, nem horário fixo de trabalho e para ganhar o salario minimo. Cada hora um cliente mais irritado que o outro, e você não podia nem pensar em sentir vontade de ir ao banheiro. 

Seis horas corridas de serviço com quinze minutos de intervalo, no qual você escolhia se comia, se bebia água ou ia ao banheiro. Não dava para fazer mais de um. E eu ainda fazia faculdade uma vez na semana.

O corpinho estava em ordem né, muita malhação e pouca alimentação. Tamanho 40, peso 62, altura 1,65. Tudo dentro dos padrões. Ah que saudade desse corpinho.

Os três meses que passei na empresa, foram importante para me tornar quem sou hoje e trabalhar onde trabalho. Muitas criticas "Você não conseguiu resolver o problema do cliente", "Você esqueceu de pedir para ele avaliar o serviço", "Você isso", "Você aquilo". Ai eu surtei. Realmente surtei.

Faltando dois dias para o termino dos três meses de experiencia, eu sai de casa como fazia todos os dias. Entrei no ônibus, desci na minha estação, mas quando cheguei na frente na empresa. Tive uma crise. Gritei no meio da rua que não queria entrar. Não lembro de nada. Quando recobrei a consciência estava dentro do ônibus voltando para casa. Não fui trabalhar.

Minha avó vendo o quanto eu estava abatida a dias, me pediu para sair do emprego. No dia seguinte, fiz todo trajeto novamente e entrei para solicitar minha exoneração. Eu tremia tanto. Não queria estar ali. E eles reclamavam tanto de mim, mas iam me efetivar. O que tive, só fiquei sabendo mais tarde que se chamava pânico, um grau mais avançado da depressão.

Naquele momento eu queria me isolar, era o que aquele serviço tinha feito comigo. Eu não queria atender telefone, ver televisão, entrar na internet, sair na rua. Nada que me obriga-se a ter contato com pessoas. Elas me causavam medo. Me fechei. Minha unica companhia eram os livros porque sabia que eles não me machucariam, nem me ofenderiam. O quarto era uma parte pequena a qual eu me mantinha segura.

Minha vó me pediu para passar um tempo com meus pais. E lá estava eu, indo morar com meus pais, de certa forma doente, e sem ninguém para me ajudar. Quatro meses estive fechada no meu canto, onde me mantinha confortável. Perdi amigos, por me afastar, me isolar.

Eu precisava de ajuda, um psicologo talvez, mas nada. Ninguém me ouvia, ou me via. Apenas a cidade. Pequena e intrometida. Todos sabiam quem eu era, mesmo que eu nunca saísse de casa. Falando em casa, minha mãe não me queria mais daquele jeito. Com 20 anos e dependente dos pais para tudo, apenas ouvi minha mãe dizer "trate de fazer alguma coisa da vida, não da pra ficar assim".  Incrível como há palavras que guardamos para sempre em nossa memória.

Eu precisava de ajuda, não de um emprego, mas foi o emprego que me arrumaram. Fui inscrita em dois concursos, os quais nunca quis passar, pois não queria trabalhar. Não queria ver o mundo, nem pessoas. Queria me esconder o máximo que eu pudesse, mas não dava. Meu nome estava lá, 1º lugar nos dois concurso era só escolher.

Eu não tinha escolha, ou tinha na verdade, qual dos concursos assumir. Trabalhar na secretaria de uma escola, escolhi a prefeitura, mas ainda assim não gostava da cidade e ainda não gosto.

Meu primeiro dia foi um verdadeiro pesadelo, já na chegada muitas pessoas me abraçando e me beijando "Seja bem vinda", e eu querendo sumir. Na sala tinha um telefone, que para meu desprazer ficava do meu lado e longe da outra secretaria que já trabalhava lá a tempo.

Primeiro toque e eu fiquei branca, tremia toda. Não queria estar ali, muito menos atender um telefone que foi o caos da minha vida. Ele tocava e tocava sem parar.

- Você não vai atender? - e olhou para mim como quem diz que esse era meu trabalho. Eu apenas acenei com a cabeça negativamente.

Ela atendeu, mas tive que me explicar depois. Finalmente alguém me ajudaria a superar o problema que o trabalho antigo me causara "Quando se sentir pronta, você atende, está bem?". Ela se tornou uma amiga que pude contar enquanto esteve trabalhando comigo. Um dia ela faltou, e fui obrigada a encarar meu pesadelo, o telefone. 

Esse transtorno, me proporcionou a desenvolver compulsão alimentar e ganhei 15 quilos, mas não pararia por ai.

Hoje percebo que sempre resolvi meus problemas sozinha, sem ajuda de ninguém. Apenas eu, sozinha superando meus medos, meus pesadelos. Nunca contei a ninguém, nunca pude contar com a ajuda de alguém, sempre sozinha. 

O sorriso estava lá. Fingindo a todos que estava tudo bem. E a felicidade, se esquecera de mim. O que fiz para ela me tratar assim. Simples. Bati a porta em sua cara, quando ela veio me visitar. Por mais que não quisesse estar ali, meu trabalho seria feito com total eficiência, o que me levou a outro martírio. Solicitada sempre e para tudo, por saber fazer e quando não sabia procurava aprender.

Logo fiquei sozinha, e não era questão de conseguir fazer todo trabalho, mas era necessário fazer o trabalho. Virei Bom Brill, mil e uma utilidades. 



Em busca da felicidadeWhere stories live. Discover now