There Is

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Do you care if I don't know what to say? 

Will you sleep tonight? 

Or will you think of me?


Atualmente, Dezembro.
A costa oeste dizia adeus conforme eu dirigia Arizona adentro. As praias e as palmeiras da Califórnia se despediam e os desertos que antecipavam o maravilhoso estado começavam a me acompanhar naquela viagem solitária. Eu jamais pensei que estaria seria capaz de estar ali novamente, dentro de um carro, dirigindo numa estrada rumo ao incerto. Jamais pensei que eu seria capaz de fazer qualquer coisa que implicasse coragem novamente. Jamais pensei que poderia... Recomeçar minha vida.
A verdade? Eu não estava recomeçando ela naquele momento. Eu já havia recomeçado há muito tempo. Eu só não tinha percebido.
Meu nome é Daniel Alley. Tenho dezoito anos, um carro do ano de 2008, quarenta e seis dólares na carteira, além de um cartão fidelidade do Walmart, uma carteirinha de estudante que não vale mais e um pacote rasgado de chicletes no bolso da frente dos meus jeans. Não como nada sólido há no mínimo seis horas e eu tenho certeza de que se a polícia estivesse me seguindo, eu já teria sido preso quatro vezes por urinar em público.
Mas não é isso que importa. O que importa é o motivo pelo qual estou aqui, contando essa história. Em pensamentos. Para mim mesmo. Para ela. Para você. O que importa é o que me levou a estar aqui. E para isso, precisamos voltar algum tempo no passado.
Como um flashback.
De um ano atrás. 

Um ano atrás, Abril.
Primeiro as risadas. Muitas risadas. Elas vinham de trás, ecoando como se estivessem no fundo de um túnel.
Depois uma voz.
E mais risadas. Altas, alteradas, em variados tons.
E então um único grito.
As luzes.
As luzes que vieram cegando, inesperadas e assustadoras. E os gritos aumentando.
O estrondo.
O sangue.
O silêncio.

Soquei o volante quanto perdi a entrada que eu deveria ter pego. Mais uma vez minhas memórias me atrapalharam a seguir em frente. Elas eram sempre culpadas pelos meus erros – ou era assim que eu gostava de pensar. Olhei para os dois lados, checando os retrovisores, e ao perceber que ninguém estava por perto, entrei na contramão. Era aquilo ou teria que perder dez quilômetros para encontrar um retorno.
Maldita América.
Veja bem. Meu pai é um advogado. Do tipo bem certinho, que nunca fez nada de errado, do tipo que não aceita suborno, do tipo que não defende ninguém que está errado. Fazer o que eu estava fazendo ia contra qualquer moral que minha família tivesse me ensinado. Especialmente meu pai. Em geral, ele defende as pessoas que não têm chance alguma. Mas de alguma forma, ele consegue se dar bem nisso. E o melhor: ele deve ser o único advogado da Califórnia que é feliz com o que faz.
Sim, Califórnia. Eu moro em São Francisco agora. Antes de São Francisco eu morava em Los Angeles.
A questão é: eu não quero estar em São Francisco, ou em Los Angeles. E é por isso que estou pegando a estrada interestadual direto para o estado do Arizona. 

Um ano atrás, Junho.
Aquelas férias eram inúteis, aquela mudança era inútil. Era só o que eu pensava. Não é como se elas fossem capazes de apagar tudo o que aconteceu nos últimos meses. Como se dias de folga e pílulas brancas tivessem algum poder. Elas podiam parecer gentis, mas não seriam capazes de destruir qualquer lembrança que eu não mais desejasse ter. Elas não eram capazes de impedir os pesadelos durante a noite e os gritos de madrugada. Elas não impediam o suor de aparecer na minha testa e o vômito de subir pela minha garganta noite após noite. Elas eram como placebo. Meramente ilustrativas. 
- Você deveria estar feliz, sabe? Está tendo a chance de recomeçar. Ter uma vida nova e esquecer o que aconteceu. – Minha mãe começou a falar ao notar que eu estava calado e sem emoções há algum tempo, deitado na minha cama. – São poucos que têm essa oportunidade. – Ela me cutucou no ombro ao se sentar de frente para mim. 
Depois do acontecido e depois de pagar a pena, tínhamos decidido nos mudar. Meu pai continuava advogando, mas minha mãe tinha deixado seu emprego. Seu novo trabalho era me observar. 
- Mãe, isso não é uma vida nova. – Falei o que estava pensando. Me sentei na cama e a encarei. – É só uma cidade nova. A minha vida vai ser sempre a mesma. Sair de LA não vai apagar nada da minha cabeça milagrosamente. – Suspirei apertando os olhos que ainda doíam. Toda a minha cabeça doía. 
- Eu sei, querido. Eu sei. – Ela respirou fundo, entristecida com a minha reação. Eu ficava triste de saber que ela ficava triste por eu estar triste. Mas não havia nada que eu pudesse fazer – voltar no tempo não era uma opção ainda. – Mas é pelo menos uma forma de te tirar daquele lugar que vai sempre e sempre te trazer más lembranças. Te assombrar durante a noite. – Ela apertou minha mão que ainda estava enfaixada. 
- Eu também tenho boas memórias, mãe. LA não é a culpada pelo que aconteceu. Eu sou. – Murmurei. 
Ela sorriu triste e abriu os braços. Nos abraçamos de novo. 
Pela quinta vez no dia.

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