cap 2

164 12 2
                                    

Quase sete da noite e tudo está passando na minha cabeça, indo e voltando sem parar. Mãe, seus gritos ainda estão ecoando na minha mente. Eu sou burra, aceite. Sinto muito.
As lágrimas parecem infinitas, a noite também. Os dias se arrastam, tropeçam entre si. Estou afundando. Cada dia mais, e cada vez mais e mais longe da superfície. Aqui em baixo é cinza, frio e com pouco oxigênio também. Como é na superfície?
As vezes escuto pessoas dizendo como pessoas que não comem são retardadas. Ninguém entende. Ninguém sabe como é se sentir fora da sociedade. Se sentir como se todas as garotas resolvessem ter corpos esculturais do dia para noite, menos você.
Ninguém sabe como é sentir como o valor da sua existência dependesse de quanto a balança indica, e de quantos centímetros tem a sua cintura. Mas ninguém quer entender, é bem mais fácil julgar e dizer que você é louca.
Trinta e um. Para garotas normais, trinta e um degraus, as deixaria com o pulmão hiperventilando, para garotas como eu, um hiperpesadelo. Trinta e um. Minhas pernas fracas demais, meu braço direito apoiado na parede, meu cabelo pesando, meus olhos fazendo os cálculos de quanto tempo eu ainda conseguia subir.
Trinta e um. Pesadelo. Agora só faltam doze. Sorria, tem gente descendo a escada. Ninguém quer saber que você não aguenta seu próprio corpo. Sorria. Último degrau, respire. Sorria. Vencedora.
Festa era sempre bom. Ou quase. Se pudesse iria todos os dias, ou moraria em uma. Mas eu não poderia, afinal não tenho amigos, e diria que sou uma pessoa muito sociável. Diria, simpática.
Festa? poucas sim, e mesmo assim meu cabelo deveria estar perfeito, a cinta deveria afundar minha barriga, minha maquiagem sem borrar, band-aind e sorriso sempre, em todas as festas.
Um gole e o gosto meio doce e meio amargo me contagia. Seis goles, e eu voltei a ser feliz. Por segundos eu ri das minhas linhas traversais e me perguntei - o que diabos eu estava fazendo da minha vida. Obviamente uma pergunta auto-retórica.
Minha dor estava anesteziada. Meu pequeno buraco dentro de mim estava sendo preenchido somente por uma grande quantidade do líquido meio doce e meio amargo e com 35, 8 % de álcool. Eu chorei de rir.

Meus rascunhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora