Meu corpo parecia atrofiado na cama, eu só levantava para ir ao banheiro e mesmo assim, sempre alguém ficava de vigia para ter a certeza de que eu não vomitaria tudo.
Ia ao banheiro sempre depois das refeições. Porque por algum motivo, minha garganta coçava depois de comer qualquer coisa.
Eu ia até a pia e examinava minha garganta, procurando algum resquício de algo que talvez me incriminasse.
Com o passar do tempo, você arruma jeitos, e técnicas. E como uma boa bulimica, eu tinha minhas maneiras de lidar com aquilo.
Durante a noite, enquanto havia a troca de plantões, por volta de 1:35 da manhã, eu ia escondida - e sorridente - ao banheiro. Fazia o mínimo de barulho possível, e colocava meu jantar pra fora, me fazendo florir.
Como eu consigo manter a comida sem chegar no estômago? ah, foda-se. Nem eu sei. Talvez chegasse no estômago, mas o costume fazia retornar ao ponto inicial rapidamente.☆
- tudo bem aí? - pertuntava a ajudante de Thales enquanto eu examinava minha garganta.
- Sim. Não, na verdade não.
Eu sentia falta das minhas dietas. Sentia falta das minhas madrugadas com jardins florindo, aquela sensação de deitar na minha cama macia enquanto meu estômago se acostimava com a sensação de estar vazio novamente.
Sentia falta porque finalmente estava chegando na minha meta. Eu finalmente,
faria parte do padrão. Seria perfeita. Meu corpo seria perfeito, eu seria perfeita, e outras garotas teriam inveja de mim, fariam as mesmas coisas que eu fiz até chegar onde cheguei. Mas nunca seriam tão boas quanto eu.
"O caminho é doloroso, mas o final é uma dádiva."
Não tinha nada de errado com a minha garganta. Ela só não estava acostumada a ingerir essa quantidade de comida.
Enquanto eu voltava para minha cama - ou maca, tanto faz - senti a falta dos meus amigos. De todos eles. E de como me faziam rir mesmo quando eu estava chorando por dentro.
Evitei falar com eles esse tempo, não queria que se preocupassem comigo, por isso mandava um "estou bem" toda vez que me perguntavam como eu estava.
Uma vez, eles me xingaram dizendo que eu estava os matando de preocupação. Eu não respondi. Mandei uma foto, mas dessa vez era da ficha onde todos os dias quando me pesavam, ali meus números ficavam registrados. Alguns ficaram felizes com meu avanço, outros se perguntavam como ninguém tinha percebido.Estava há quase três semanas e tinha engordado quatro quilos e meio. não aguento mais. eu pensei. Eu nunca sabia qual era o tempo lá fora. Quando Thales vinha me ver e ele estava de casaco eu sabia que lá fora estava nublado.
- faz quase um mês que o tempo tá assim - ele me disse um dia desses
Eu amava o cheiro do tempo nublado. Aquele cheiro de café quente (35) livros e gatos me arranhando enquanto começava a choviscar no começo da tarde.
Thales me disse que se eu melhorar até sábado, ele me leva ao terraço para ver o tempo.
Ele era muito ocupado por aqui. Sábado era o dia mais tranquilo por aqui. Era o dia em que o outro médico cuidava dos malucos daqui, então ele ficava no andar de baixo - o meu - na maior parte do tempo.
Thales era o tipo de cara com quem eu casaria sem pensar duas vezes. Ele conversa comigo sobre tudo, me faz perguntas e dialóga comigo até quando isso é quase impossível - nos momentos que eu estou dopada, por exemplo.
Uma dessas vezes ele me contou que era gay.
- eu sei - repondi.
Mal sabia ele que, identificar gays era minha especialidade.
- só sei - continuei
"Até Thales tem namorado e eu não" eu viajava enquanto ele me contava quando se conheceram.
Deve ser porque alimenta direito. Não vomita as refeições e nem as pula, ele é saudável. E bonito.
Mas você é a perfeição.
Esteja firme.
Estou firme - respondi à uma das vozes.
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Meus rascunhos.
Non-FictionAbrir os olhos e ver que somos autores de nosso próprio destino e que a vida não passa de um grande história com rascunhos diários, rascunhos que foram feitos para serem corrigidos.