1-MEMÓRIAS

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Recomeçar não é fácil, e para mim parece impossível. Meus pesadelos me deixam ciente disso toda noite, me deixam ciente também de que não tenho ninguém, ninguém que valha a pena viver. Tenho apenas a velha frase que minha mãe costumava dizer "Se está difícil virar a página, troque o livro. Recomeçe, se reinvente, você é capaz disso". Talvez eu fosse capaz mesmo, se ela estivesse aqui. Mas ela não está.

É aí que meu pesadelo teve início. A oito anos atrás, quando eu tinha 15 anos, minha mãe faleceu. Eu nunca entendi muito bem como, aceitar e seguir em frente foi minha melhor opção. Seguir em frente, quem é que eu estou querendo enganar? A verdade é que eu nunca aceitei, que nunca dei continuidade a minha vida.

Meu pai, ao que parece, se viu satisfeito em piorar minha situação. Quando ela se foi, ele se mudou para Austrália, me mandou apenas uma carta com a minha emancipação e com um recado "Agora você é independente. Faça bom proveito do dinheiro. Se vira no mundo!". Eu fiquei sem reação ao me deparar com o tipo de monstro que viveu comigo durante quinze anos. Mas não era só isso, junto a carta havia uma quantidade exorbitante de dinheiro, o que confirmava que meu querido pai me queria longe, fora de seu alcance, me virando, como ele mesmo disse.

Ódio. Era isso que eu sentia por ele, somente ódio. Como ele pôde me abandonar assim que minha mãe morreu? Como?! "Se vira"? É isso mesmo?!

Monstro.

Estúpido.

Babaca.

As palavras ecoam na minha cabeça toda vez que penso nele.

Eu tentei recomeçar, juro que tentei. Dois anos se passaram sem nenhuma notícia dele, para o meu prazer.

Era meu último ano no colégio, minha vida estava quase normal. Mas o desgraçado me mandou uma carta, que me fez largar tudo.

"Ah Melanie, minha filha querida...
Como sinto sua falta. Sei que fui o pior pai do mundo, mas quando Ketherine morreu eu fiquei sem chão. Sua mãe era maravilhosa, eu sei que sabe disso. Precisei me afastar, tive meus motivos. Mas agora preciso de você, estou em perigo. Me envolvi com as pessoas erradas. Eles já devem estar de olho em você, sem dúvidas. Eles estão me caçando. Vão te caçar também. Podem nos matar. Venha para a Austrália, aqui você saberá o que fazer. Me ajude, por favor, pela sua mãe.
De seu amado pai, Alan."

Mas que merda é essa? Eu... Eu não li isso. Dizer que sente minha falta e que "precisou" se afastar foi de mais. E ainda quer a minha ajuda??? Diz que corre perigo, que pode morrer? Então que morra! Não tente me convencer de que eu também poderia ser caçada ou morta. Não ouse apelar para minha mãe, nunca!

Uma vontade súbita de chorar me invade, chorar de raiva é claro.
"Não chore por quem não merece. Não chore. Não..."
Alguém bate na porta e me tira de meus pensamentos. Eu abro:

—Sam?
—Oi Mel. -ele me abraça.

Eu começo a chorar. Meu primo sempre foi meu porto seguro, ele tinha a capacidade de saber tudo o que se passava em minha mente. Não foi preciso nem meia dúzia de palavras para que ele percebesse que havia algo errado comigo.

— O que aconteceu?
Eu entrego a carta pra ele e nós nos sentamos no sofá. Ele lê, ainda abraçado a mim.
— Querida filha? -ele ri. — Qual é a desse cara?
— Eu também queria saber.
— E você vai saber.
— O que?
—Mel... -ele começa — Esse filho da mãe te fez sofrer mais do que qualquer um, ele te abandou! Não disse o que aconteceu com sua mãe, e se ele tiver algo a ver com a morte dela? Você merece uma explicação caramba!
— E se o que ele falou for verdade, e se tiver alguém atrás de mim?
— Eu não vou deixar nada te acontecer, prometo.
— Eu vou para Austrália. -decido.
— Eu vou junto. - pelo tom de voz ele não mudaria de ideia.
— Eu vou caça-lo Sam, nem que seja no inferno! Ele vai ter que explicar o que aconteceu com minha mãe, e falar quem está atrás de mim,  nem que seja a última coisa que eu faça na vida!

Sea of liesOnde histórias criam vida. Descubra agora