A Primeira Vez

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E lá estava eu, fascinado e imerso em lembranças, escondido sob as sombras em um canto escuro daquele quarto improvisado. Ainda sem saber ao certo o que me prendia ali, naquele local. Porém, eu não me cansava de admirar aquela bela criatura que se encontrava logo mais adiante em minha frente, logo então eu percebi, era ela o motivo. Não que esta fosse a primeira vez que eu a via, mas agora era diferente, ela esta um pouco mais velha desde quando a vi há alguns anos atrás, está mais madura. Tem uma pele clara, quase translúcida, perfeitamente desenhada, seus olhos sensuais e intensos, eu já os havia visto antes, tão cativantes e cheios de brilho, são de um azul celestial incrível, os quais fizeram lembrar-me de casa, mas neste momento estavam fechados, ela estava dormindo, acredito que ainda sob efeito dos sedativos que tive que dar a ela na noite anterior. Seus cabelos têm o formato das ondas do mar e cor mais bela não existe, inexplicavelmente radiante como o sol. Não há como não se encantar com sua tamanha beleza e doçura, nenhum ser neste mundo em seu juízo perfeito poderia dizer que ela não é uma de nós. Meus irmãos duvidaram de mim quando os alertei sobre esta magnífica criatura. Mas agora eles verão o quão errados estavam a respeito desta bela obra prima do nosso Amado Pai, uma joia rara e preciosa, com certeza.

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Foi uma noite inexplicavelmente complicada, tentei ser mais sutil, como um de meus irmãos havia me dito, mas não deu muito certo. Nesses tempos difíceis de incredulidade por parte dos humanos em crer que nós existimos é praticamente impossível fazer com que uma pessoa comum tenha fé simplesmente lhe dizendo:

"_Oi, tudo bem? Me chamo Haziel e eu sou um Anjo. Vamos tomar um café?"

Ninguém em sã consciência acreditaria, nem mesmo eu, se fosse um deles.

Os humanos são complicados e esta criatura a qual eu voltei a observar há algumas semanas com mais frequência, praticamente se tornou um deles, tem todas as manias, o modo como falam, se vestem, caminham, como demonstram seus sentimentos, estão sempre tão trancados em seus próprios mundinhos paralelos, sempre preocupados com si mesmos e suas batalhas internas que eles jamais aprenderão o real sentido da vida.

E ela, ah! Como é linda!Tão especial, tão bela e formosa; nem imagina o quanto é diferente de todos os outros. Mas, depois da última noite, muitas coisas mudarão em sua vida.

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Eu estava presente quando a sua mãe morreu. Em toda a minha existência, esta foi apenas a segunda vez que fui designado para acompanhar de perto a trajetória de um humano. Normalmente essa não era a minha função, digamos assim. Elenora tinha 13 anos, ainda uma criança. Ela sofreu muito, mas com a ajuda do pai ela logo se recuperaria. Era meu dever ficar e cuidar dela, garantir que nada de ruim fosse acontecer ou que ela mesma não iria se causar algum dano ou até mesmo se culpar. E sendo assim, eu fiquei. Eu tinha ordens de me manter sempre perto, ao menos até ela atingir a maior idade e então, foi aí que ela me viu pela primeira vez. Na verdade nenhum deles poderia me ver, eu era invisível aos olhos humanos, nem mesmo crianças seriam uma exceção, era para todos. Anjos só podem ser vistos por outros anjos, a não ser que você fosse um rebelde e quisesse se mostrar aos humanos propositalmente, o que não era o meu caso. Há apenas uma semana desde a morte de sua mãe ela estava caminhando no parque perto de sua casa, um local bonito e aconchegante com muitas árvores e flores, realmente perfeito para passeios e pic-nics em família, ela estava com fones no ouvido e perdida em pensamentos, quando um homem se aproximou lentamente, ele a puxou pelo braço e disse baixinho:

"_ Se você gritar eu te mato!"

E lhe mostrou a arma que estava escondida sob uma camisa vermelha que dizia: "Cristo é o Senhor" algo que eu achei extremamente irônico, principalmente se tratando daquele momento em especial e ao que ele estava disposto a fazer. Ela se assustou e já estava prestes a gritar socorro, então para preservar sua vida eu me aproximei dela e cochichei em seu ouvido:

"_Não faça nada, entregue o que ele pedir e deixe-o ir embora que tudo ficará bem."

Nós anjos, temos o dom de influenciar os humanos e como era meu dever cuidar dela, tentei fazer com que se sentisse calma e tranquila que nada de mal aconteceria, pois eu estava ali. Mas algo muito estranho aconteceu, pois quando eu falei ao seu ouvido, ela instintivamente virou-se para mim, tão perto que senti o seu hálito quente e doce e então falou:

"_Quem é você e de onde você veio?"

Sua reação me paralisou, algo que para ser sincero não é muito comum, pois isso normalmente não acontece com muita freqüência ou melhor dizendo, isso nunca aconteceu antes, pelo menos não comigo e com nenhum de meus irmãos também até onde sei. Fiquei olhando para ela chocado ou sei lá o que meu rosto expressava, pois nunca tinha ficado assim, nunca havia sido pego de surpresa desta maneira, foi extremamente confuso.

O homem que estava segurando-a puxou seu braço com mais força e gritou para ela:

"_Você é louca garota? Não tem mais ninguém aqui, você quer morrer? Passa logo a mochila e o ipod que eu vou embora se não te mato!"

Ela olhou para o homem a sua frente e tremendo feito vara verde, como os humanos costumam dizer, ela entregou sua mochila com todos os seus pertences da escola, tirou os fones e também entregou o ipod ao estranho que ainda a segurava. O ladrão imediatamente pegou suas coisas e saiu em disparada pelo parque sem nem mesmo olhar para trás para verificar se não estava sendo seguido, mas também, como estaria? Não havia mais ninguém no local a não ser a garota... Dois dias após o roubo bem sucedido, ele morreria de infarto em sua própria casa. Um problema a menos.

No instante em que o homem saiu correndo com seus pertences, Elenora virou-se novamente para onde eu estava, mas ficou boquiaberta, sem nenhuma reação ou fala, simplesmente olhando através de mim, como se eu não mais existisse, ou fosse invisível, o que de fato não deixava de ser verdade, pois ela não estava mais me vendo. E essa era a ordem natural das coisas, mas como ela pôde me ver? Essa agora era a questão principal para mim, porque motivo naquele instante ela me viu e logo em seguida tudo voltou ao normal, como se nunca tivesse acontecido? Eu precisava de respostas, mas infelizmente teria que esperar até a próxima reunião do conselho supremo para obtê-las.

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