Prólogo

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Prólogo

- Dá-me! É meu!

- Não é nada! É dos dois, a mãe disse!

- Mas eu estava a brincar primeiro!

Era sempre assim! Eu e o Miguel disputávamos tudo. Não importa o que fosse, se um tinha uma coisa, ou outro tinha que ter também.

Naquele dia era por causa de um carro telecomandado que a minha mãe nos ofereceu no Natal. O Miguel tinha estado a manhã toda a brincar com ele, até que se cansou e foi brincar com os seus Power Rangers e esqueceu o carro. Mas assim que eu peguei nele ele lembrou-se que ainda não tinha acabado e veio exigir-me o brinquedo de volta. Como não quis devolver, a discussão foi inevitável.

- Dá-me! – Ele veio para cima de mim e tentou tirar-me o carro. Agarrou o fio do comando e começou a puxar! - Dá-me! É meu.

- Para! Sai! – Comecei a puxar o comando para mim. Ele puxava para um lado e eu para o outro. - Já brincaste agora é a minha vez!

O que aconteceu depois era previsível. O fio partiu-se e eu e Miguel caímos cada um para o seu lado. Ele arregalou os olhos ao máximo enquanto olhava para fio estragado na sua mão. Como sempre fazia quando estava com medo e ia deitar as culpas todas para cima de mim.

- Vou dizer a mãe! MÃE! MÃE!

- O que se passa aqui? - A minha mãe apareceu com as suas luvas de borracha e o seu avental florido.

- O João estragou o carro!

- É mentira, foi ele! Eu estava a brincar e ele puxou o carro da minha mão!

- Eu tinha primeiro, ele tirou!

- Não tirei nada!

Começamos os dois a expor as nossas versões ao mesmo tempo, cada um a tentar sobrepor a sua voz ao do outro. A minha mãe levou a mão a cabeça e esfregou lentamente, fechou os olhos e cerrou os lábios. Fazia sempre isso quando estava prestes a ralhar connosco.

- Chega! - Tanto eu como Miguel paramos de falar imediatamente. - Para o quarto! Os dois!

- Mas...

- Agora! Estão os dois de castigo!

Não eramos loucos para desobedecer. Fomos para o quarto em silencio.

- Estás a ver? A culpa é tua! – Eu disse e sentei-me na minha cama com os braços cruzados. Recusei-me a falar com o meu irmão.

A principio ele também me ignorou. Mas não demorou muito a tentar mudar as coisas. Ele era assim. Sempre que nos zangávamos. Mesmo que eu não tivesse razão, ele acabava por ceder.

Começou por aproximar-se lentamente do meu lado do quarto enquanto brincava sozinho com um carro de policia.

- UIUIUIUIUIUIUIUIUIUIUIU! Quieto! Põe as mãos no ar! – Fez uma voz grossa enquanto desencantava dois bonecos sabe-se lá de onde. - Oh não! Fui apanhado! E agora?

Por esta altura eu estava ocupado a ver Digimon. Por fim ele parou de fazer as vozes dos bonecos e olhou para mim.

- Queres brincar aos policias e ladrões?

- Não!

- Podes ser o policia se quiseres!

- Não!

- Então queres brincar ao quê?

- Não quero brincar contigo!

Miguel ficou em silencio por uns segundos, depois voltou a sua brincadeira.

- O senhor está preso! – Mudava a voz conforme mexia os bonecos. - Oh por favor não faça isso! Eu tenho família!

Comecei a rir! Levantei-me da cama e fui sentar-me ao seu lado.

- Eu quero ser o policia!

Acordei com a luz do sol a entrar pelas gretas da janela. Era quinta vez naquela semana que eu sonhava com Miguel. As minhas costas doíam por ter dormido no sofá. Meti a mão no bolso do meu casaco e peguei o meu telemóvel para ver as horas. Eram 22h13 minutos. Vi que tinha uma mensagem, abri-a.

Está tudo bem? O Miguel acordou?

Beijinhos, Clara.

Olhei para a cama ao lado, onde o meu irmão descansava, tinha a cabeça meio inclinada para o lado. O barulho do tubo que descia até sua garganta e o som das maquinas indicavam que ele ainda estava aqui. Seu rosto estava sem expressão. Voltei a atenção ao telemóvel e respondi.

Está tudo na mesma. Ele continua a dormir.

Beijinhos, João.

Onde esteja o meu coraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora