Cores Cinzas,Um Abrigo, Liberdade?

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Passaram-se três anos desde que tudo aconteceu, mil cento e vinte e dois dias para ser mais exato, ainda consigo escutar claramente o som das sirenes na rua, posso lembrar de todo o barulho e toda a confusão que estava acontecendo do lado de fora. Lembro-me como se fizessem apenas alguns minutos.

Um vírus nomeado de TZ1 estava se espalhando pelo mundo, algo extremamente resistente e contagioso, a humanidade não conseguiu conte-lo a tempo. Os militares alertaram para que todos se protegessem dentro dos abrigos públicos, por sorte nossa casa tinha um abrigo no quintal, então não tivemos que ir até os públicos, - acho que se não fosse por isto já estaríamos mortos a muito tempo atrás - o tempo parecia não passar.

Desde que as portas se fecharam nunca mais senti o calor da luz do sol, nunca mais pude ver o azul do céu e se quer sentir o frescor de uma leve brisa de vento. Vinte e seis mil, novecentos e trinta e oito horas desde a última vez em que ouvi a voz de meus amigos, quase não me lembro mais de seus rostos.

Será que mudaram muito? Será que ainda estão bem? Será que também sobreviveram nos abrigos? Não, provavelmente já estão todos mortos.

Depois que a grande porta de aço se fechou não tivemos muitas notícias das coisas do outro lado, os militares nos diziam apenas para ficar no abrigo o máximo de tempo possível e não sair em hipótese alguma, quinhentos e quarenta e um dias desde que nosso rádio deixou de receber novas transmissões dos militares.

Antes dos militares conversávamos com nossos vizinhos, eles também possuíam um rádio amador, mas repentinamente, deixaram de nos responder.

No começo de tudo só de imaginar em ficar no abrigo por anos parece ser algo inacreditável e impossível, mas la pelo dia trezentos ou trezentos e setenta, você não liga mais se vai sair ou continuar lá dentro, mas o tédio é o único que nunca some.

Eu e meu irmão mais novo Tyler sempre brigamos, quase todos os dias - acho que isto nos ajuda a passar o tempo na verdade - e mamãe sempre grita conosco quando brigamos, depois olhamos uns para os outros num silêncio momentâneo até cairmos numa risada sem sentido.

Muitos de nossos dias no abrigo foram assim, acho que quando se passa tanto tempo vendo somente as mesmas pessoas fica difícil não se acostumar e se unir ainda mais a elas, ficar juntos nos ajudou a passar tanto tempo no abrigo.

Mas a comida esta acabando, a cada dia que passa temos ainda menos, e todos nós sabemos que uma hora ela ira acabar, essa preocupação pela comida faz as coisas mudarem um pouco, mamãe esboça um ar de preocupada em seu rosto a cada dia que a comida diminuí, um aviso dos militares não chega em nosso rádio nos dizendo para sair.

Então o dia que temíamos chegou.

Uma lata de carne outra de feijão e uma de arroz, esta foi minha última refeição dentro do abrigo.

Quatro anos, era oque deveria durar toda a comida, acho que eu e meu irmão comemos a mais no começo de tudo, não imaginávamos que ficaríamos tanto tempo presos neste local. Então, na hora em que acabamos a refeição eu, Tyler e mamãe ficamos em silêncio sentados a mesa olhando para nossos pratos vazios.

Eu comecei a olhar para Tyler, fiquei olhando seu lindo cabelinho loiro e encaracolado, olhos azuis, com a pele branca e sardas por todo seu rosto. Agora ele estava muito magro, já devia estar abaixo do peso a algum tempo, dava para ver os ossos de sua mão e rosto, era quase possível contar suas costelas, eu não estava tão diferente dele.

Mas nossa mãe estava um pouco pior que nós, não parecia mais a mesma mulher que havia entrado naquele abrigo, seu rosto ainda continuava belo, sua pele macia e cabelos longos e bem cuidados.

Não sabíamos oque fazer ou oque dizer uns aos outros naquela hora, até que eu não consegui segurar, e tive que quebrar todo aquele silêncio.

- Bem, acho que agora vamos morrer de fome né? Foi bom conhecer vocês - Falei com um tom de ironia e um sorriso no rosto, estas foram as únicas palavras que me vieram a mente.

Mamãe me olhou, parecia não acreditar no que eu acabara de dizer, Tyler olhou para mamãe viu que ela não estava sorrindo e logo colocou suas mãos na boca e começou a me olhar fixamente. Eu fiquei olhando para ambos, esperando que um deles disse-se algo. Até que mamãe olhando para o chão com cara de pensativa disse - Precisamos sair daqui ou morreremos esta semana - Então ergueu a cabeça.

Me olhou e então para Tyler, não foi preciso dizer mais nenhuma palavra, só por seu sorriso entristecido sabíamos que ela estava preocupada conosco.

Levantei-me empurrando a cadeira para trás com a perna, coloquei as duas mãos na mesa, olhei fixamente para ela e disse - Precisamos sair daqui enquanto ainda temos forças para andar - Ela então assentiu com a cabeça olhou para Tyler e deu um sorriso bobo. Assim que nos levantamos mamãe disse

- Lyan, Tyler se arrumem, vamos sair imediatamente para ver como esta la fora e procurar comida caso as coisas não tenham melhorado do outro lado - Ela parecia estar decidida a fazer de tudo para que sobrevivêssemos.

Agora eu quem consenti com a cabeça olhei para Tyler e sorri, finalmente após tanto tempo trancafiados iriamos sair daquele buraco.

Mamãe foi no fundo do abrigo, e numa caixa velha de madeira lacrada com um grande cadeado, ela retirou duas pistolas. Eu corri para perto dela.

- Me de uma, posso ajudar você se estiver em perigo - Tentei parecer o mais maturo e convincente possível, enquanto desejava não ter que usa-la.

Ela relutou em me deixar segurar uma das armas, mas no final com tanta insistência acabou me dando uma Colt M1911 e dizendo - Use ela somente quando for preciso, ainda lembra-se do que seu tio lhe ensinou não é querido? - Consenti balançando a cabeça.

Isto me lembrou de quando meu tio Miles sugeriu que mamãe fizesse o abrigo, quem diria que realmente ia ser útil pra algo. Será que ele e a família também sobreviveram por tanto tempo como nós? Espero que tenham se salvado do vírus.

Sempre fui fascinado por armas e meu tio era perito em proteção, ele me ensinou a manusear todo tipo de arma, espero que realmente ainda me lembre como usa-la e que minha mira ainda esteja boa. Mamãe por outro lado nunca quis saber de tocar em uma arma de fogo, pude vê-la tremendo ao segurar a pistolas, ensinei-a brevemente como carregar e engatilhar e mirar, a pistola que ficou com ela, tomara que ela não tenha que usar ou Tyler e eu estaremos em apuros com aquela mira.

Cidade MortaOnde histórias criam vida. Descubra agora