Não

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Não!!!
... Tão jovem...
... Jogou a vida fora...
Não! Me escutem malditos!
... Que leva alguém a isso?
... Deve ser problema com mulher!

Ele gritava em vão enquanto as pessoas olhavam para seu corpo, sob a cabeça o sangue molhava o lençol branco, em sua mão a arma.

Ele sentia que não tinha tirado sua vida mas, ainda estava confuso como se aquilo fosse um pesadelo do qual não conseguia acordar.

Viu todo o trabalho da polícia, a maioria deles tão habituados à violência que pareciam estar passeando e não vendo o corpo de um jovem morto com apenas dezenove anos.

Não tinha lembranças que justificassem a cena à sua frente, na verdade, não tinha nada além do que via. Seu corpo? Não, este não o pertencia mais, estaria em breve embaixo da terra para ser devorado, digerido e defecado pelos vermes, a carne consumida como em um grande banquete, então restariam os ossos que por tanto tempo o sustentaram e um dia, mesmo estes sólidos pilares deixariam de existir.

A morte, a pavorosa e temida morte chegou, mas não foi acidental e para ele, tampouco teria sido o causador.

Não tinha o que ver mais ali mas não saiu do lugar, esta definição não se aplicava mais, estava além da física, não se movia, estaria onde quisesse mas queria lugar nenhum, apenas suas lembranças mas elas não vinham.

Em seu velório a tristeza era enorme, cochichos maldosos, pessoas cumprindo um papel e tentando parecer sentir mais do que realmente sentiam enquanto outros, amigos leais e família sofriam com a precoce despedida e pareciam querer acompanhá-lo.
– Não! Eu não fiz isso!
Sua mente repetia sem parar e ele sabia que precisava descobrir a verdade, tinha que lembrar.

Aos poucos imagens de sua vida se formavam, muitas coisas que não se lembrava quando vivo, os braços acolhedores da mãe em seu primeiro contato pós nascimento, a agradável voz do pai que o confortava, o quarto sem luxo mas com muito carinho.

Aspectos desconhecidos de sua vida se tornavam claros e ele agora a assistia com uma mente não limitada pela parca capacidade humana, as pessoas ao seu redor tinham dimensões e motivações que facilitavam o entendimento de suas atitudes, não se resumiam a boas ou más pessoas.

Ele revivia importantes momentos de sua existência e aprendia ainda mais com eles, como se em vida tivesse experimentado apenas a ponta de um iceberg, passou a ser capaz de extrair o máximo de situações tidas como irrelevantes.

Sentiu a alegria da infância e o inocente pesar de seus amores não correspondidos de adolescência, descobertas e sonhos ainda não minados pelo peso da vida adulta que se mostrou um fardo repleto de convenções sociais, frases prontas, datas para guardar e compromissos inadiáveis mas sem importância real.

Aquela retrospectiva lhe mostrou muitas de suas escolhas, tentativas de fuga da pressão dos dias que considerava pesados mesmo ainda sendo jovem e este talvez fosse o problema, ainda não estava preparado para o que viria, e as escolhas erradas o conduziram à depressão, era como choro do recém nascido que sai de um mundo de segurança para o desconhecido, mas não podia abrir a boca ao mundo, não é o que se espera de um adulto.

Não era o final que definiria sua história, o trajeto fora escolhido anos atrás e as diversas rotas de fuga de um triste destino ignoradas.
Não foi a vida a responsável, não foram os maus amigos, não foram as cobranças...Ele agora sabia, não...realmente não, não era o dedo que puxara o gatilho o responsável por seu fim, eram suas escolhas e todo o caminho que trilhara.

E foi quando compreendeu isso que lembrou de ter comprado a arma...

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