Clouds [Sophiam/Lilo]

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            O castanho observava a mulher que descia a rua de mãos dadas com seu filho. Era dezembro, afinal, e era tradicional que as famílias saíssem às compras para o natal. Ela tinha cabelos castanhos longos e olhos azuis, num corpo um pouco rechonchudo coberto por vários casacos. Seu nariz era fino e por um segundo o fez lembrar-se de alguém muito importante de seu passado. Talvez seja por isso que Liam a encarou por tanto tempo e, quando a mulher passou por ele com seu pequeno, o puxou para longe do homem barbudo de aspecto sujo no pavimento frio e molhado. A mente de Payne viajou, a partir daquilo, para anos atrás. Numa época em que ele não sentia – tanto – frio nas ruas em suas roupas furadas e não tinha que lutar para achar uma tomada que funcionasse para carregar seu celular – sim, até mendigos têm smartphones. Ali, sentado na beirada de uma pequena casa numa rua transversal dos distritos comerciais de Londres, esperava sua namorada trazer-lhe dois copos de café que puderam comprar com alguns dos poucos trocados que tinham.

Entretanto, Liam não pôde segurar o próprio fluxo de memórias. Volta e meia ele acabava se perguntando por onde Louis estava e, acima de tudo, o grande "e se?": e se Liam tivesse ficado e criado raízes? Construído uma vida normal?

Olhando para trás, o rapaz não se arrependia verdadeiramente. Conhecia a si mesmo, sabia de seus limites. Liam sempre fora do estilo de alma livre. Ele não se prendia a lugares, empregos e responsabilidades: no máximo, se conectava com pessoas. Assim que saiu do orfanato aos 18 anos, sendo praticamente jogado na rua com uma mão na frente e outra atrás, Liam poderia ter seguido os passos de seu melhor amigo e arrumado um emprego, um lugar pra morar e ir atrás de estudos e uma vida "normal" perante a sociedade. Todavia, seus pensamentos sempre foram um pouco mais independentes. Foi assim que, logo pouco tempo depois de ser despejado do lugar onde passou os primeiros anos decepcionantes de sua vida, acabou se tornando um sem-teto.

Não era tão ruim quanto as pessoas podem imaginar. Liam não tinha inúmeros confortos, ele os considerava fúteis de qualquer forma, porém ele tinha a liberdade. Liam pertencia às ruas e as ruas pertenciam a ele. Não havia lugar em Londres que ele não conhecesse.

Portanto, ele sabia onde Louis morava hoje em dia. Só não ia visitá-lo por orgulho mesmo. Preferia ter que dormir ao relento do que ouvir os sermões de "eu avisei" do rapaz. E, também Essex era um pouco longe, Liam era do tipo mais preguiçoso.

Fazia quase sete meses desde que ele e o menor tiveram aquela fatídica briga que os separou e fez Payne ir parar na rua. Atualmente, ele se considerava uma mistura de hippie com alguém que rejeita o capitalismo.

Balançou a cabeça, espantando tais pensamentos. Não entendia o porquê de estar tão saudosista nos últimos dias, mas era fato que pensava cada vez mais em Louis. Em sua adolescência e a forma como seu ex-amigo era o mais próximo de família que ele poderia considerar.

Sophia apareceu na esquina, no exato momento em que o castanho teve a impressão que a dona da casa jogaria um balde d'água nele. Ficar encharcado nesse frio seria desumano, mas as pessoas não se importavam com aqueles que estavam em classes sociais abaixo das suas. A senhora não deveria gostar de vagabundos rondando sua casa e, principalmente, roubando sua energia elétrica. Levantou-se, bateu um pouco de neve que havia ficado em suas roupas – seria desconfortável se elas molhassem mesmo que um pouco por causa de flocos derretidos – e foi de encontro a sua companheira. Pegou a pequena mala que tinha os poucos pertences do casal e, grato, recebeu o café que a garota havia ido buscar. Tomou um gole para então envolver os finos e frios dedos dela nos seus e, antes de puxá-la consigo para ir ao não-destino deles, deu o dedo do meio para a velha na janela.

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