(1996) Lita: "Talvez ele só precise ser lembrado que tem escolhas melhores"

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Meu telefone andava mudo há um bom tempo. Achei que tocaria no início da semana e nada. Pensei que tocaria todos os dias depois disso, e nada. Então, enquanto fazia compras com a Naomi, achei melhor pedir a sua opinião:

-Estou pensando em ligar para o Tom.

-Ligue – Ela respondeu, pois Naomi é a pessoa mais prática que eu conheço. Enquanto eu não consigo dar dois passos sem acionar todas as minhas amigas para me encorajar, ela vai e faz. Acho que isso faz parte da segurança que mulheres abusivamente lindas sentem, aquela certeza que o mundo nunca lhes dirá "não".

-Você acha que o Tom vai topar ir comigo à inauguração do pub da Blondie?

Eu esperava ouvir um curto "acho" em resposta, mas o que Naomi respondeu foi longo e com o poder de parar o meu coração.

-Ah, se for pra isso, não ligue. Aquela moça que está de volta está causando uma comoção enorme. Aliás, acho que ela e o Tom estão juntos de novo.

Hã? Moça? Que moça poderia estar de volta e de volta com o Tom? Não podia ser a Lana, Tom estava com ódio dela, não que estivesse reclamando, pois Tom, quando estava com raiva de alguém, era mais gostoso ainda. Embora, se os dois voltassem, certamente causaria comoção. Todos aguardaram o divórcio ansiosamente, eu encabeçando a fila. Quem mais do passado do Tom poderia ter regressado que impactasse a vida da turma?

A não ser.

Não.

Não era possível.

-A Malu?

-Sim, e parece que ela deixa todo mundo com uma expressão parecida com a sua.

Mas...

Mas...

-Por que você não me disse? – Perguntei, sentindo calor e frio ao mesmo tempo.

-Honestamente, Lita? Porque isso não deveria ter nada a ver com você. Eu já te falei um milhão de vezes que, se o Tom estivesse interessado, ele te comeria com mais frequência que uma vez por ano.

-Foram duas só nesse ano! – Eu fiquei tão... tão... indignada! Como as pessoas me escondiam algo assim? Eu era praticamente namorada do Tom! Fui muito leal, gosto do Tom desde que bati os olhos nele, e esperei que ele terminasse com a Malu para tomar qualquer passo! Vínhamos vindo meio devagar, eu admito, mas de qualquer forma o Tom não saía com ninguém tantas vezes quanto saía comigo, e ao menos quando ele pediu a idiota da Lana em casamento, tiveram a gentileza de me avisar e me consolar. E agora a Malu! Meu Deus, a Malu! E ninguém me diz nada! Eu a havia encontrado no ritual de nascimento da filha da Singe, mas ela estava casada! E, ainda que não estivesse, nunca me passaria pela cabeça que eles voltariam! Tom não podia ser tão burro!

-Veja o lado bom, Lita. Você precisa seguir em frente.

-Você sabe o que a Malu fez com ele? Sabe? Ela enchia a cara de drogas e o traía! Todo mundo sabia disso! Teve uma overdose, quase morreu e foi embora praticamente fugida de tanta vergonha! Como ele pode voltar com ela?

-Nossa, que história mais suburbana e anos 80! Bom, mas isso você vai ter de perguntar a ele, pois parece que voltaram, sim.

Ah, eu ia. Mas ia mesmo.

Posso não ser perfeita como a Naomi, mas também sou bastante bonita, principalmente quando quero. E, na noite de inauguração do pub, eu queria mais que qualquer coisa na vida. Coloquei meu vestido mais justo e até um reforço de cinta para ter certeza que ficaria impecável. Claro que, se eu estivesse certa e a Naomi houvesse enlouquecido, a cinta teria de ser retirada rapidamente em algum ponto da noite. Coloquei Wonderbra, passei horas seguindo as dicas de maquiagem dos melhores maquiadores que conheço, meu cabelo estava um arraso. Tudo isso por causa de uma ratinha sul-americana que havia feito vodu pro Tom.

Gosto da Malu, sempre gostei bastante. Mas ela é uma ratinha sul-americana. O que todos viam nela além de uma menina drogada, legalzinha e nem muito bonita, nunca consegui entender.

Eu estava no pub, conversando com Sue e Mick, quando eles chegaram. Achei que fosse cair fulminada. Primeiro vi o Tom, pois ele é alto e lindo, que homem lindo, e impossível de passar despercebido. E então meus olhos desceram para a ratinha que mal batia no ombro dele, arrumadinha, bonitinha, com cara de dona-de-casa passeando à noite. Meus olhos desceram mais um pouco e eu os vi de mãos dadas. Ai, a mão enorme e quente do Tom. O cheiro do Tom. Que homem cheiroso, nossa senhora. Não fazia sentido que ele tivesse voltado com ela, que ele tivesse engolido o orgulho e voltado com uma pessoa tão mais feia que ele e que o havia tratado como lixo, ainda por cima. Simplesmente não fazia.

-Olha a Malu! – Sue falou ao meu lado. – Que lindo, eles voltaram?

-A porra que não iam voltar – Mick respondeu. – Agora, sim, o mundo tá ficando um lugar bacana de novo.

Eu precisava de um drinque.

Ia encurralar o Tom e perguntar o que ele estava pensando, mas acabei evitando-os a noite inteira. Eu não conseguia vê-los juntos, não conseguia olhar para nenhum dos dois sabendo que voltariam pra casa juntos. Tinha essa imagem horrorosa dos dois fazendo sexo no final da noite, do Tom tirando a roupa de songa monga dela, e eu não conseguia suportar a ideia. O drinque virou dois, virou três, até que Naomi chegou e me pediu para deixar de ser decadente.

-Eu acho que mereço encher a cara – respondi, mal-humorada.

-Não com plateia, querida.

Fomos andar um pouco, até que ouvimos a Kate falar:

-Pergunte para a Naomi!

Kate estava sentada em um compartimento com a ratinha e com a Singe.

-Perguntar o quê? – Naomi quis saber.

-Sobre o nariz da Lana.

Naomi soltou uma risadinha. Ela adora falar mal da Lana. E quem não gosta?

-Fui eu que indiquei o meu cirurgião. E, segundo eu soube por fontes seguras, ela aproveitou para fazer uma lipo, um lifting e uma correção no queixo.

-E só depois disso ela conseguiu papéis na televisão – Acabei entrando na brincadeira. – Antes disso, ela era apenas um cabo de vassoura louro.

-Na verdade – Naomi falou, pensativa. – eu acho que ela pinta o cabelo.

Eu estava mesmo colocando a Malu pra cima, falando da ex-mulher do Tom? Que idiota que eu sou! Vi a Lana como ameaça durante tanto tempo que não percebi que estava diante de outra. O álcool também devia estar ajudando pois, quando Singe levantou, eu peguei o seu lugar.

-Então, Malu, você está mesmo de volta?

Sim, estava com ódio. E sim, o álcool estava soltando a minha língua.

-Não sei, ainda não é nada definitivo. Por enquanto estou só matando as saudades.

Sei bem que saudades você está matando.

-Sabe, você é mesmo o máximo. Eu nunca teria coragem de dar as caras por aqui.

Eu não ia ser tão direta e muito menos tão amarga, mas não consegui me controlar. Malu ficou parada com aquela cara de boba dela, mas Kate entendeu muito bem o que eu quis dizer:

-Não sei o porquê. Não tem uma pessoa aqui que não estivesse morrendo de saudades dela.

-Ah, claro, não foi isso que eu quis dizer. Eu só acho que...

-E, além do mais – Kate continuou – ela e o Tom voltaram, então nós vamos vê-la muito mais vezes e por um longo, longo tempo.

Valeu, Kate. Sempre soube que você era uma vaca, só não sabia que era uma vaca insensível, ainda por cima.

Pedi licença e saí da mesa. Aliás, saí do pub. Fui encher a cara sozinha em casa enquanto Tom comia a ratinha naquele apartamento que eu já estava até ajudando a decorar. Ai, não, espero que não a tenha comido no sofá que eu escolhi. Como ele pode querer alguém tão mais feia que eu, tão mais inútil que eu, que o humilhou na frente de todo mundo?

Talvez ele só precise ser lembrado que tem escolhas melhores.

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Esse POV faz parte da Semana da Malu, que acontece até dia 30 de agosto no grupo Realidades Paralelas da Mari


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