O medo de não poder ficar

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Aos poucos, a escuridão me solta. Consigo enxergar as luzes fortes no teto branco. Estou deitado em uma cama de hospital. Tento me mover, mas estou sem forças para me movimtar normalmente. Os cortes começam a coçar. Meu pulso esquerdo está todo enfeixado. Todos aqueles fios no meu braço e em meu nariz, incomodava pra caralho. Sinto um pouco de cede, mas não vejo ninguém que possa me ajudar com isso. Estou sozinho num quarto de um hospital, onde não consigo mover meu corpo. Estou tentando não gritar de raiva, de tanto aquele aparelho fazer "bip, bip, bip..." parece até um pesadelo sem fim, onde sou obrigado a ficar. Uma enfermeira chega. Ela não me nota, ou não quer me notar. Anda de um lado e de outro, procurando alguma coisa que talvez seja importante. Ela encontra. Uma injeção. No começo até penso que aquilo não é para mim, mas quando ela se aproxima com um sorriso assustador, minhas espectativas se esgotaram. Braço esquerdo. Uma pequena, mas dolorosa picada. Uma sensação estranha de que algum inseto te picou com toda força possível. Odeio esse tipo de coisa. Pergunta que horas são. Onze da noite. Parece que minha sexta-feira não quer terminar. O tempo parou? Não, não. É só a minha vida que é chata assim mesmo. Meus momentos felizes não duram muito. Estou muito fraco, quase não consigo falar. Com certeza devo estar pálido. Só lembro dos cortes e do sangue. O sono cai sobre mim, e o deixo me levar.

Acordo.

Minha mãe está ao meu lado com um copo dágua. Tomo um pouco. Sinto a água molhar meus lábios ressecados. Não ganho nem um "bom dia!" não sei se já é de manhã, mas se for, minha mãe não está sendo educada. Pergunto a hora. Seis e dez. Meu sábado começa com perguntas que me deixam irritado. Mamãe realmente sabe ser irritante quando quer ser.

- estou com fome - indago com a voz fraca.
- vai me explicar - pergunta mamãe, me olhando como fosse me devorar inteiro.
- o que quer saber? É sobre eu ter me cortado todo? Ou sobre você me tratar como se eu fosse um lixo o tempo todo, porque tenho um amigo gay? Ah, já sei. É sobre a boate?
- Isaac Seyfried? Pare já com isso! Você sabe muito bem que o amo. Você é o único filho que tenho, não sou o tipo de mãe que vive maltratando seus filhos. Não sou. Só quero saber o real motivo desses cortes. Isso não é coisa que se faça, não é. Você quer ser levado para o inferno?
- não começa com isso mãe! - exclamo - eu sei que você me ama, mas... Não irá gostar de saber a verdade, e eu sei que não vai.
- algum dia eu saberei Isaac, algum dia.
- algum dia, talvez.
- seu amigo Cody Lee está lá fora, quer falar com você - disse mamãe tomando o restante de água que deixei.

Mamãe sai. Cody chega. Parece preocupado.

- o que você fez? Tá querendo morrer? Você acabou acertando uma veia, por sorte o corte não foi fundo. Não faça mais isso Isaac, tá me ouvindo? - diz Cody quase chorando - quer me dizer o que aconteceu?
- não sei se isso faz diferença.
- fazendo diferença ou não, você tem que contar e parar de um vez por toda de ficar se mutilando.
- Ste...

Paro. Quase pronuncio o nome de Stefan Walter. Lembrei do que Luna me dissera ontem sobre o que Cody era capaz de fazer com Stefan se soubesse que ele é quem vive me fazendo mal no colégio.

- quê?
- nada não... É minha mãe. Ela é muito preconceituosa. Ela me ama muito, mas não sei qual será sua reação quando descobrir que seu único filho é gay. Sinto raiva as vezes, mas... Sinto pena também. É difícil.
- entendo. Mas, cara? Não faz mais isso. Por favor.
- não vou dizer que vou parar ou não. Não é tão fácil como parece. Já virou um vício Cody. Sabe... Tenho medo de não poder continuar com vocês.
- como assim?
- tenho medo de morrer. Mas também... Tenho medo da vida.
- não diz isso - indaga Cody segurando minha mão direita - você ainda vai dar um grande salto sobre sua dor. Você ainda vai conseguir construir um grande muro ao redor das pessoas que te fazem ficar pra baixo. E no meio de tanta tristeza, eu gritarei seu nome.

Tudo o que Cody acabou de dizer me fez lembrar de uma musica do "OneRepublic" que ouvi alguns dias atrás. E quando penso em agradecer Cody por suas palavras, ele começa a cantar. "I lived."

"Hope when you take that jumb, you dont feel the fall. Hope when the water crises, you built o wall. Hope when the crowd screams, out they' re screaming your name. Hope if everybody runs, you choose to syay."

Talvez isso venha acontecer. Talvez algum dia, eu saberei viver. Talvez algum dia, Cody fique sabendo que grito desesperado por querer viver de um jeito simples sem nostalgia. A letra da musica é bem confiante. É uma canção para quem soube viver a vida. Para quem conseguiu vencer obstáculos nos caminhos. Começo a ouvir a musica na minha mente, tentando não chorar.

"Espero que quando você der esse salto, você não sinta a queda. Espero que quando a água subir, você já tenha construído um muro. Espero que quando a multidão gritar, estejam gritando o seu nome. Espero que, se todo mundo correr, você tenha escolhido ficar."

IsaacOnde histórias criam vida. Descubra agora