O Sistema

21 1 2
                                    


 Poucos sabiam quem ele era – isso é, a família, os amigos e alguns conhecidos de vista. De resto, nunca ouviram falar de seu nome. Este era um nome simples, um nome comum, um nome que não invocava imagem alguma. Desde hoje, 21 de março de 2015, as coisas mudaram. Ninguém mais nomearia seu filho de tal forma. Seria quase o mesmo que chamá-lo de "Hitler".

Francisco – seu nome. Um rapaz alto, um pouco maior que 1,77. Olhos castanhos. Pele clara. Semblante não tão belo, mas não tão feio. Para falar a verdade, era seu nariz que o estragava, sendo redondo e grande demais. De resto era normal. Todos pensavam ser um rapaz comum – e era. Mas algo mudou, algo despertou em sua mente. Uma bomba relógio que entrou em modo de detonação.

Muito antes disso, ainda na escola, não havia decidido rumo algum para sua vida. Era desleixado, nunca estudou de verdade. Colava nas provas, pagava para coleguinhas fazer seus trabalhos. Considerava-se burro e incapaz – mesmo não sendo.

Passou todos os anos forçado, sempre com a nota no talo. Mesmo assim, formou-se no ensino médio. Libertou-se daquilo que achava lhe prender, e descobriu como aquilo era ruim. Um vazio invadiu seu peito. Algo que não seria preenchido facilmente. Não sabia o que fazer da vida, qual rumo tomaria.

Eis então, que decidiu trabalhar. Porém, antes, se preveniu e pesquisou qual carreira seguir. Só uma o interessou, sendo as outras chatas e sem graça. Ser um advogado não era algo tão ruim. Gostava do fato de poder perder ou ganhar um caso, era como um jogo. Sempre mentiu muito bem e suas argumentações não eram nada ruins. Só podia ser isso, este era seu rumo.

Para sua infelicidade, ser advogado significava cursar Direito – e não tinha dinheiro para isso, levando- o a um caminho ainda mais cruel. Abriu seus cadernos do ensino médio e começou a estudar para o vestibular.

Em humanas, matérias como história, geografia e filosofia, ia até que bem. Já nas exatas, matemática, física e química, se dava muito mal. Tanto que o fez querer entrar em um cursinho pré-vestibular. Mas seu desejo foi em vão, também não tinha dinheiro para isso.

Começou a trabalhar. Não era o que queria, mas era algo que conseguiria dinheiro. Seu emprego era de Frentista, que é, basicamente, ficar em um posto de gasolina o dia inteiro de pé colocando gasolina nos carros que passavam. Só descansava as pernas, já quase mortas, no intervalo que demorava horas. Tentou fazer o cursinho depois do trabalho, mas não aguentou. Suas pernas doíam, imploravam para serem esticadas em cima de uma cama. E quando tentava aguentar as aulas, até aquelas que lhe eram fácil antes, pareciam sem nexo.

Dessa forma, seu sonho foi por água baixo. Juntar dinheiro e realizar um sonho não foi algo que conseguiu, estava longe de seu alcance. Você pode até culpá-lo por não ter estudado antes, mas é fato que ele se esforçou. Nem todos têm a capacidade de ter uma vida tão corrida. Ele, que já tinha dificuldades de aprendizado, desanimou quando viu que seu esforço estava sendo mal aproveitado. Parou o cursinho, continuou trabalhando.

Desde então, as coisas só foram complicando. Sempre que tentava pegar um emprego mais leve, acabava entrando em um mais pesado. Arrumou também uma mulher qual pensou que aliviaria sua vida. Estava enganado, com a mulher veio os filhos e a necessidade de ganhar ainda mais dinheiro.

Sua vida agora era medíocre. Não pode cumprir sonho algum; só se afundara em mais desgraça. Poderia ter sido um ótimo advogado ou juiz, mas matérias numéricas quais não usaria em sua vida profissional afundara-o. Uma grande injustiça contra si; ferrado por um sistema ineficaz e cruel. E ainda sim, se esforçava para ser o "cidadão" ideal.

No trabalho era xingado pelo chefe; escutava tudo de cabeça baixa, assentindo. Em casa sua mulher gritava sem parar, chamando-o de incompetente e de péssimo marido; tentava conversar com ela, lhe entregava um presente ou algumas palavras bonitas, mas era empurrado. Nem os filhos ele agradava; davam-lhe chutes na canela e zombavam de seu nariz. Como haver rotina pior que essa? E ela durou, por anos.

O SistemaOnde histórias criam vida. Descubra agora