O candomblé é uma religião brasileira de matrizes africanas. A matriz pode ser Bantu (Angola e Congo) ou Sudanesa (Dahomey e Yorubá). Há ainda pressupostos sincretistas de gratidão ao elemento humano e espiritual nativo, o índio brasileiro. O sincretismo imposto pelos colonizadores, catolicismo romano, passa por severas críticas há décadas, onde há grupos candomblecistas que apoiam sua permanência e outros grupos que lutam para a libertação da associação com os santos mártires cristãos.
Em geral o candomblé de matriz Bantu é monoteísta, animista e devotado aos ancestrais. Enquanto o candomblé sudanês é politeísta, animista e também devotado aos ancestrais (cultos específicos). Por ser uma religião brasileira, o sincretismo ainda é a tradição principal da maioria das casas de candomblé. Há um movimento de candomblecistas africanistas que buscam um culto "puro", apenas com tradições africanas, que aos poucos estão sendo buscadas, principalmente na Nigéria, Benin e Angola.
A ancestralidade é de extrema importância nos cultos de candomblé. Os Bantu devotam-se aos "mahamba" (plural de "hamba", ancestral divinizado, espírito encantado) como entes divinos que por missão regem cada ser humano, associando-se a energias vitais da natureza (reinos, elementos e fenômenos), num panteão de mitologia quase esquecida (fator que se deve à predominância do "orixaísmo", imposição Yorubá diante dos demais quando as casas pioneiras de candomblé se formavam e organizavam). Já os sudaneses se dividem em dois grupos: os que cultuam divindades do panteão do Dahomey (Ewe, Minas, Fanti, Jeje e Fon, ligados ao culto aos voduns, divindades com forte ligação aos ancestrais) e os que cultuam divindades do panteão Yorubá (culto aos orixás, divindades que podem ou não estar relacionadas à ancestrais, dos povos de Ketu, Oyó, Nagô, Ifé e Ijexá).
Os cultos politeístas se dedicam à divindades superiores, sem ligação direta ao ser humano. Os cultos monoteístas se dedicam a acreditar em apenas um ser divino superior, criador, emancipador e organizador de todo o Universo e seus componentes, viventes ou não. O culto aos ancestrais traz a reverência aos seres humanos do passado que deixaram algum legado, um ensinamento ou ato fantástico que o faça merecer destaque diante dos demais: guardiões, guerreiros, reis, rainhas, caçadores, feiticeiros e feiticeiras. Pessoas que marcaram época. Pessoas que mesmo com a morte se mantiveram e se mantém vivas na memória de seu povo. Assim acontece tanto com Bantu como Sudaneses, diferenciando no fato de os Sudaneses terem cultos separados aos ancestrais: Egungun (Egun Masculino) e YaMin Oxorongá (Egun Feminino), ambos com forte atuação mágica. Já os Bantu acreditam que Zambi, seu único Deus criou tudo e depois foi embora, deixando aos ancestrais um caráter divino extraído das energias da natureza.
Assim sendo o culto aos ancestrais revela algo de suma importância, o principal entre tudo: a comunicação com "espíritos" ancestrais. Eguns (masculinos ou femininos) se manifestam dentro de roupas ou outros objetos que os corporeifica para que possam se "comunicar". Para os Bantu, tais ancestrais, quando manifestados, podem falar, cantar, dançar, tudo isso com um único intento: se comunicar. Os oráculos consultados trazem essa "comunicação", mas o caráter é impessoal. Diferente de quando há uma manifestação, supostamente sobrenatural, em que um espírito se comunica diretamente com seus consulentes.
É nesse ponto que a temática "candomblé" se cruza com a temática "mediunidade". Para que haja a manifestação de um ancestral é preciso primeiramente uma intervenção humana, responsável pela invocação e pelos atos ritualísticos que manterão tais ancestrais enquanto estiverem em atuação, em comunicação. Essa pessoa, responsável por esse primeiro processo carece de preparo para cumprir tal feito, precisa ter algum nível de mediunidade desenvolvida (não significa necessariamente que ele precisa ser um médium de "incorporação"). Enquanto eguns geralmente não precisam de corpos humanos para se manifestar, orixás e mahamba precisam. Orixás em geral não se manifestam para "falar", a comunicação se dá pelo movimento, pela dança, onde cada ação tem sua significação. Quanto ao mahamba (também chamado de inquice, nkisi ou mukixe), sua manifestação é para a comunicação (não vemos mais ancestrais de Candomblé Bantu falando enquanto estão incorporados por que os líderes impõem isso para que esses se assemelhem aos orixás do panteão Yorubá, há um preconceito criado diante desse ato). O hamba se comunica pela fala, pela música e pela dança. Tal qual se vê num culto de Umbanda (religião brasileira sincretisma de matrizes africana, indígena, católica e espírita), uma entidade se comunicando pela fala, assim o era no candomblé Bantu (Angola e Congo), fato é que isso ainda acontece em solo africano. Apenas no Brasil deixou de ser praticado, pois para os Yorubás era errado, havendo essa imposição, passou a ser errado também para os Bantu (o que em essência não é verdade).
Quando se fala em mediunidade, logo os conceitos extraídos do espiritismo emergem. Allan Kardec não inventou o espiritismo, apenas o codificou. E codificou de maneira abrangente, porém cristã. Segregou entidades espirituais em "evoluídas" e "não-evoluídas", criando desconforto e preconceito em alguns aspectos espiritualistas. Ser espírita kardecista é estar em contato com espíritos superiores, evoluídos. Não ser espírita kardecista é estar em contato com espíritos de natureza primitiva, sem evolução, atrasados. Isso é um pré-conceito sem bases verdadeiras, reais. Prefire-se aqui o termo espiritualismo, por parecer mais abrangente e por estar longe de possibilidades de segregação ou discriminação. Antes disso, vale lembrar que o foco está sobre a mediunidade, logo, se faz sobre o ser humano e não sobre o "espírito" em si.
Mediunidade é a capacidade de ceder a mente e o corpo para a manifestação de uma outra entidade espiritual. Espírito é tudo aquilo ligado ao subconsciente humano. Enquanto alma é tudo aquilo ligado ao consciente humano. Somos corpo (matéria), alma (consciência) e espírito (subconsciente). Na mediunidade, abre-se espaço para a atuação do subconsciente, ou seja, uma porcentagem além daqueles 10 à 13 % do uso rotineiro e consciente do cérebro. E é sobre esse "subconsciente" que dirige-se o foco deste artigo, sem intenção de esgotar o assunto, menos ainda de criar mais mitos sobre a espiritualidade, o que se intenta na verdade é conduzir à lógica do raciocínio, ao caráter psicossomático da mediunidade, da herança genética ancestral que sobre ela parece assentar.
Para elaborar esse estudo é preciso entender que a mente humana é dividida basicamente em duas partes: consciente e subconsciente. No consciente está a vivência humana atual, suas experiências e aprendizados acumulados desde o nascimento. Enquanto o campo desconhecido do subconsciente guarda uma herança genética, de ancestrais do passado (avós, bisavós, triavós, tataravós etc), organizadas como em um grande arquivo, que apenas pelo desenvolvimento da mediunidade podem ser acessados e "manifestados". Assim sendo, quando um médium incorpora um espírito, ele está na verdade colocando sua mente consciente em pausa para que uma das outras consciências que ele traz guardada em seu subconsciente atue trazendo uma sabedoria ancestral que foi parar ali de modo consanguíneo, um fator genético. Desta forma o sobrenatural deixa de existir e passa-se a um conceito mais complexo, o da transcendência, que explica-se na profundidade do subconsciente que acumula saberes ancestrais. Tendo o consciente atuando em apenas 10 à 13 % do cérebro, pode-se facilmente entender que isso se deve pelo restante ser ocupado por uma vasta herança sapiencial ancestral. Refuta-se aqui a ideia de reencarnação, pois a consciência é herdade, passada de geração em geração. Tendo a vida seu fim completo com a morte, vivendo apenas a consciência que foi transmitida como herança, dentro de um subconsciente herdeiro, hospedeiro de toda essa consanguinidade.
O fato de haver "adivinhação" é entendido pelo processo intuitivo. A comunicação entre mentes conscientes e subconscientes, voltadas a um mesmo propósito. Canalizadas por energias similares que atuam em alguma esfera astral (extra-corpórea), o que não dá caráter sobrenatural, dando ao invés, caráter transcendental, pois vai além das sensações físicas. E a isto tudo, em conjunto, chamamos de espiritual. Mediunidade é completamente espiritual. Ancestralidade é um conceito palpável, pois está dentro da mente de cada um. Basta um desenvolvimento coerente e correto para que esses "compartimentos" possam ser acessados e nos ajudem com todo o saber neles acumulados, tanto pelas experiências negativas que não devemos repetir, como pelas experiências positivas que temos como exemplo a seguir.
Candomblé, Umbanda, Espiritismo e todas vertentes espiritualistas que lançam mão a mediunidade, podem contar com esse respaldo psicossomático, facilmente explicado dentro de perspectivas reais. Sem misticismos exagerados, mantendo a crença e reverência aos ancestrais e o devido respaldo da ciência, da psicologia, da filosofia e da razão para nos conduzir racionalmente pelos caminhos da fé.
Por: Ofá Sindejí - Setembro/2015
VOCÊ ESTÁ LENDO
Candomblé e Mediunidade
SpiritualEspiritualidade vai além dos conceitos espíritas recentes. A tradição religiosa africana remonta 5.000 anos e vemos isso em alguns reflexos herdados pelo candomblé.