Acordei no meio de lama e escombros de tudo que restou. Uma mina não é um dos lugares mais seguros para se esconder, e até algumas horas atrás não era este meu principal objetivo. Era uma inspeção de rotina na zona sete da maior mina de nitridium do planeta XB14. Andava com a planilha digital em meu pulso, anotando as condições do local, a produtividade, acompanhado de alguns caras importantes do setor comercial da ZCorp. Uns velhos pançudos e aproveitadores do trabalho alheio.
Quando chegamos ao nível sete não havia mais extranet funcionando. Era um local tão profundo que alguns diziam que se martelássemos um prego na parede lava escorreria e mataria a todos. Ninguém nunca tentou fazer isso até onde tenho notícia. Uma checagem nos níveis de calor e quase tudo estava pronto. Quando aguardávamos o elevador chegar, faltava pouco para meio dia. E foi exatamente neste horário em que tudo parou. As luzes apagaram. Eu e os quatro caras mais ricos do mundo estávamos todos presos quase dentro do núcleo do planeta e todas as máquinas foram desligadas. Nem mesmo os contatos de pulso funcionavam.
O setor sete era o pior lugar do mundo para ficar no dia em que todas as máquinas decidiram parar. A refrigeração do local foi desligada neste mesmo instante, e a temperatura que ficava em maravilhosos 25 graus, pulou para 45 em menos de dois minutos. O desespero começou a tomar conta. Além de serem os caras mais ricos do mundo, eram também os mais ignorantes, penso eu. A única saída possível eram as escadas. Mil e quinhentos lances de escada aproximadamente, no escuro, e com uma bolha de lava prestes a explodir em nossos traseiros, com quatro executivos reclamando o tempo todo de terem de subir as escadas.
Já havia subido vinte lances de escada. Estava exausto, mas não podia parar. Os quatro engravatados estavam mais que mortos. Não aguentariam nem mais cinco lances. Gritavam reclamando de minha ineficiência, como se eu pudesse solucionar seus problemas naquele momento. Eu estava mais preocupado com os meus problemas, não com os deles. Pretendia sobreviver. A sala do setor sete resistia até 2000 graus com o sistema de resfriamento ligado. Sem isso, demoraria menos de uma hora para começar a derreter as paredes.
Quando chegamos ao 35º lance, os executivos não aguentaram mais, e foi nessa hora em que os abandonei. Caso eles sobrevivessem, eu perderia o emprego, obviamente, mas a julgar pelo escuro em que ainda me encontrei, a situação não tendia a melhorar nem um pouco.
Chegando ao 40º lance, pude escutar o estrondo. Algo aconteceu no setor sete. Algo bastante explosivo e cerca de um minuto depois pude ver o primeiro sinal de luz avermelhada vindo do fundo. As paredes não aguentaram sem a refrigeração. Aquilo começaria a subir e, se eu quisesse sobreviver era melhor correr. Havia estudado sobre isso no planejamento de riscos da ZCorp. Caso um acidente terrível ou as máquinas desligassem, as paredes poderiam romper, e a lava preencheria 10% da mina, que era o volume que ficava imerso em magma.
Mais trinta lances de escadas foram conquistados no que pode ser considerado como minha maior corrida de todos os tempos, mas 65 lances ainda não eram o bastante se 10% fosse completado com lava. Continuei subindo na velocidade que eu pude suportar por mais 20 lances, onde considerava quase seguro. Mais cinquenta lances foram conquistados quase me arrastando. Era mais que a altura considerada segura em caso de emergência. Finalmente parei para descansar.
Até aquele momento era provável que os executivos tivessem subido um pouco mais, mas não o bastante para fugir. Seria humanamente impossível que conseguissem em seu estado. Cerca de meia hora depois fui obrigado a continuar. Senti que a temperatura estava aumentando muito e se eu quisesse sobreviver precisaria continuar a subida. Mas cheguei ao 200º lance. Olhei para baixo, a procura de sinais de que a lava havia parado de subir, mas ainda não havia parado. Parece que o pessoal do centro de riscos calculou algumas coisas errado desta vez e eu estava prestes a virar churrasco.
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O Cachorro Mais Importante do Universo
Science FictionUma viajem em um universo distópico e uma possível explicação para o começo de tudo, ou o fim de tudo. Depende do ponto de vista.