Deixe-me perto do céu

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Repugnante como as fezes que a mãe manipulara dias antes. Assim Julian se sentia após descobrir quem era seu pai. 

Em cima daquele terraço que tantas vezes lhe serviu de abrigo, observava o horizonte questionando-se se seria a última vez. Depois das dificuldades e esperanças vividas nos últimos meses, aquele era o último lugar onde esperava estar. Sentia a corda apertar-lhe o osso pontudo do pescoço, o qual nunca soube o nome. O nó estava bem feito, firme como sua decisão. Faltava apenas o lugar onde prenderia a outra ponta. A princípio uma pequena pilastra de concreto na parte frontal do terraço pareceu-lhe ideal, não fosse pelo fato de que seu corpo ficaria exposto, pendurado bem em frente à casa. Isso o assustou. Olhou ao redor a procura de um lugar melhor, mas não encontrou. As pernas tremiam sem forças para mantê-lo de pé, então arrastou-se lentamente pelo chão. 

Ao lado da pilastra, encostado a pequena parede de tijolos por rebocar, Julian olhava para a escuridão do céu esperando por uma resposta a todas as perguntas que lhe vinham à cabeça, em especial o por que da vida ser tão dura com ele. Com a ponta da corda em uma das mãos, usou a outra para acariciar a cicatriz em sua barriga, percorrendo com os dedos cada um dos doze centímetros que terminavam na protuberância que Alice disse-lhe chamar-se queloide. Sorriu ao lembrar-se da moça, embora ainda sentisse raiva dela. Virou-se decidido e jogou a ponta da corda ao redor da pilastra, dando duas voltas firmes. Puxou forte. Sentiu as mãos arderem como se estivessem abrindo-se ao meio. Esfregou-as na calça numa tentativa de amenizar o ardor causado pela corda. Depois segurou-a firme. Quando foi dar o primeiro nó, porém, ouviu o barulho de uma sirene policial e sentou-se assustado. 

Julian respirou fundo e começou a chorar.  

Com os olhos cheios de lágrimas não conseguiu distinguir bem a corda e fixá-la à pilastra. Pensou por que tudo dava errado até na hora de tirar a própria vida. Lembranças dos últimos dias vieram-lhe à cabeça como uma avalanche. Recordou-se das palavras de Alice à Miguel revelando quem era seu pai. Tudo o que sempre quis saber, agora se transformara no que mais desejava esquecer.  

Chegou à conclusão de que aquilo era inadmissível. Balançou várias vezes a cabeça, numa tentativa infantil de fazer os pensamentos ruins se afastarem dele, mas, quando viu que não funcionaria, parou. 

Julian passou a mão novamente por toda extensão da corda. O laço feito junto ao pescoço começava a incomodá-lo, por isso folgou-o um pouco. Só então reparou uma cor avermelhada em uma de suas partes. Passou a mão imediatamente e sentiu a viscosidade. Estava sangrando. Esperava que a morte fosse algo indolor, por isso escolhera enforcar-se! Mas logo ele que com dezessete anos nunca tivera coragem de matar uma barata sequer e saía correndo sempre que algum rato entrava por debaixo da porta da cozinha, como poderia tirar a própria vida? Um medroso! Ou, como a mãe costumava dizer - "um verdadeiro molenga". E frente a tantas lágrimas, pela primeira vez na vida teria que concordar com aquelas palavras. 

Diante do ferimento que não parava de sangrar Julian pensou se aquela era mesmo a melhor maneira de resolver seus problemas. Quem sabe seria mais fácil pular do terraço, de cabeça! Mas, e se falhasse? Ficaria em coma ou até mesmo paralítico e retardado.  

Deixando as dúvidas de lado, afrouxou um pouco mais a corda e sentou-se novamente. Colocou a mão no pescoço, na esperança de estancar o sangramento. Ouviu ao longe o barulho da sirene que o impedira de amarrar a corda à pilastra e fitou o céu mais uma vez. As estrelas que tantas vezes lhe serviram de confidentes agora pareciam manchas embaçadas por suas lágrimas. Sentia a pele da garganta doer e os soluços causados pelo choro incontrolável soarem cada vez mais alto.  

Determinado a não deixar que nada o atrapalhasse, Julian concentrou-se uma última vez na pequena pilastra de concreto. Puxou a corda com força e deu dois nós fixando-a. Após conferir a firmeza da corda, num último esforço, ficou de pé e deu quatro passos para trás. Retirou os chinelos e com uma das mãos limpou as lágrimas que ainda escorriam por seu rosto. Apertou a corda ao pescoço até sentir o ar diminuir. Fechou os olhos.  

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⏰ Última atualização: May 05, 2013 ⏰

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