O celular

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Vou lhe contar uma história, mas você tem que prometer não contar a ninguém. Não espalhe essa história. Queime esses papéis. Por favor...

Se você contar, eu vou morrer.

Foi numa sexta-feira em que tudo parecia dar errado. Naquele dia achei um celular novinho no meio da rua. Era um daqueles aparelhos chiques, com câmera e acesso à internet. Eu sei o que você está pensando: “mas você não ligou para o dono ou para algum dos contatos para devolver?”. Sim, eu tentei fazer isso. A primeira coisa que fiz foi verificar os contatos. Havia apenas um: “E.”. Sim, estava grafado exatamente dessa maneira: um “e” maiúsculo seguido de um ponto.

Só havia esse contato, mais nenhum. O número de telefone era “2708-2012”.

Bem, eu tentei ligar para o número, mas não dava sinal. Dei uma olhada na tela e vi um monte de desenhos sem nenhum significado para mim; nunca entendi direito esses celulares modernosos. Cheguei à conclusão de que não tinha sinal da operadora no momento.

Esqueci o assunto por hora. Ligaria mais tarde, quando chegasse em casa e, assim, fui realizando todas as minhas tarefas diárias.

Às 17 horas em ponto algo vibrou no meu bolso. Achei que era algum alarme do celular ou algo do tipo e peguei-o para verificar.

Havia uma mensagem do único contato: E.

“Você finalmente me encontrou. Agora vou encontrá-lo.”

Achei aquilo muito estranho, mas sabe-se lá que código o dono daquele aparelho e o tal de E. tinham, não é? As pessoas têm os costumes mais malucos.

Como estava ocupado no trabalho, resolvi que apenas responderia a mensagem mais tarde, quando terminasse o expediente. Talvez no metrô.

Durante aquela hora, tive uma reunião com minha equipe e, por isso, deixei o celular na mesa. Quando voltei passava das seis e eu já estava apressadíssimo para dar o fora dali. Era sexta-feira e tudo que eu mais queria era finalizar o expediente, voltar para casa e relaxar.

Quando já estava no metrô, senti o celular vibrar novamente. Eram seis e meia. Peguei-o no bolso e verifiquei o visor. Havia três novas mensagens de E.

17:30 Não me ignore.

18:00 Vou encontrá-lo.

18:30 Vou matá-lo.

Senti como se gelo estivesse escorrendo pela minha espinha, mesmo que fizesse muito calor. Que palhaçada era aquela? Comecei a digitar uma resposta, porém logo a apaguei. Planejava ligar para o tal de E. ou mandar uma mensagem para ele, dizendo que encontrei o celular perdido, mas desisti. Como poderia procurar uma pessoa que mandava aquele tipo de mensagem? Podia até ser uma brincadeira entre E. e o dono do celular, mas não me arriscaria. E se fosse um louco, um maníaco, um psicopata? Eu não me meteria com aquela sujeira por causa de um celular perdido.

Guardei o celular no bolso.

Um pouco antes das 19 horas, cheguei em casa. Larguei minhas coisas, afrouxei o nó da gravata, preparei um drinque. Pensei em pedir uma pizza. Liguei o som. Tinha até me esquecido do celular até o momento em que ouvi uma música. Que diabos, era a trilha de Psicose tocando no rádio? Não, não era o rádio... O rádio tocava Djavan. A música era de um tom mais agudo e competia com a música do aparelho de som.  Era um toque de celular.

Veio-me à mente no mesmo instante a mensagem que recebi mais cedo: “vou matá-lo”. De repente o apartamento ficou gelado e minhas pernas bambearam. Que diabos...! Cruzei a sala de estar como um furacão e procurei meu terno, que tinha largado em qualquer lugar. Estava no sofá. Procurei no bolso e achei o celular. A música vinha mesmo dele e o aparelho vibrava. Mas agora não era uma mensagem, era uma ligação.

De E.

Não atendi. Deixei o telefone tocar até a linha cair. A música de Psicose encheu meu apartamento enquanto eu fiquei ali, paralisado, encarando o telefone. O visor piscava em uma luz vibrante e de uma maneira estranha, um tanto sombria. Minhas mãos tremiam e suavam. Quando o celular parou de tocar – pareceu uma eternidade – eu finalmente respirei, aliviado. Não tinha percebido que estava segurando a respiração por todo aquele tempo.

- Chega dessa merda! – gritei sozinho no meio da minha sala de estar e, enfurecido, removi a capa do celular, disposto a retirar o chip. Não tentaria ligar para droga de E. ou de dono algum. Foda-se! O celular era meu agora. Já sabia muito bem o que faria: removeria a droga do chip e jogaria-o pela merda da janela. Era isso que faria. Ou então na privada. Ou no lixo. O que estivesse mais perto.

Só que uma surpresa me aguardava quando removi a bateria.

Não havia chip algum.

Bem, isso era estranho. O celular tinha ou não que ter um chip, afinal? Será que esses celulares bacanas não precisavam disso?

Ok, não havia chip, e daí? E daí que no dia seguinte eu largaria aquele maldito celular na seção de achados e perdidos dos correios ou da rodoviária. Sim, era isso que eu faria.

Resolvi deixar o celular sem bateria, para que nenhum E. me incomodasse mais.

Aumentei o som, bebi meu drinque, pedi minha pizza. Mais tarde, estava feliz e relaxado comendo um enorme pedaço de pizza cheio de queijo, assistindo tevê, quando ouvi de novo a música de Psicose.

Xinguei alto. Todo meu corpo tremia. Meus braços e minhas pernas pareciam feitos de ferro, tão pesados que estavam.

Eu tirei a droga da bateria. Lembrava-me de ter feito isso. Não a coloquei de volta. É claro que tirei.

Corri até o quarto. Havia três coisas no criado-mudo: minha carteira, o celular e a droga da bateria do maldito.

Sentei na cama, agora verdadeiramente apavorado. O visor piscava, mostrando uma única palavra “E.”. Que inferno, o que estava acontecendo? Peguei o celular na mão, pensei em jogá-lo pela janela e no momento que estava realmente tentando fazer isso, ele parou de tocar.

Novamente senti como se um peso deixasse meus ombros.

Mas logo em seguida ele vibrou.

O visor mostrava “Você tem 1 mensagem”.

Meus dedos pareciam congelados, mas eu consegui apertar o botão para mostrar as mensagens. Estava escrito apenas uma palavra.

Vire-se.

Não sei como tive coragem de me virar. Devagar, muito devagar, tremendo como um garotinho no primeiro dia de aula, eu me virei.

Não havia ninguém.

Apenas o meu reflexo no enorme espelho da parede.

E juro, juro que vi o meu reflexo levar um dedo ao lábios.

Shhh. Não conte a ninguém, ele disse.

Por quê?, eu pensei apavorado.

Porque senão você vai MORRER!

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