Quatro

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Estou sentada na sala, esperando Anna aparecer. Mas ela está atrasada.
A única coisa que Marcus não tolera são alunos impontuais. Se alguém chega tarde, ele faz
todo um discurso elaborado apenas para intimidá-lo a nunca se atrasar de novo. Ele para de
falar no segundo em que escuta a maçaneta da porta do auditório girar. Não no fim da frase,
mas no meio de uma sílaba. Ele vira sua cabeça e olha para a porta, esperando por quem vai
entrar.
Logo que o atrasado adentra a sala e se senta, Marcus o encara com ódio, seguindo cada um
de seus passos e fica tão furioso que quase dá para ver fumaça saindo de suas orelhas. Ainda
assim ele fica bonito, por causa daquelas covinhas – cabelo escuro e covinhas – e sempre vai
parecer que ele está sorrindo, mesmo quando está louco de raiva. E mesmo quando você já se
acomodou, com o caderno à sua frente e a caneta a postos, a perseguição não acaba. Oh, não.
Marcus vai ficar ali em silêncio, curvado sobre a mesa, com as mãos estendidas à frente,
olhando para suas anotações por um período muito desconfortável de tempo. Como se
quisesse que alguém fizesse um som para ter uma desculpa para explodir. Mas todos sabem
como se comportar.
Nós permanecemos num silêncio respeitador e quando ele sente que já nos torturou o
suficiente, e somente aí, não importa o quanto tenha demorado, ele retoma a lição,
recomeçando exatamente da sílaba em que parou.
Anna sempre chega atrasada. Ela nunca falta ou perde a aula toda, mas chega sempre em
horários diferentes. Pode ser assim que Marcus começa a matéria ou um pouco mais adiante.
Hoje não foi diferente. Anna chegou com 52 minutos de atraso, a menos de dez do fim da aula,
quando eu já não tinha mais esperanças de vê-la. Ela entra na sala com a maior cara de pau,
sem se importar com o atraso. Marcus olha, vê que é ela e continua sua aula como se nada
tivesse acontecido.
É sempre assim quando Anna não chega na hora; e eu sempre penso por que ela tem
tratamento privilegiado.
Então, um dia, pergunto a ela.
‘Marcus e eu temos um trato’, Anna responde. ‘Eu faço algo por ele. Ele faz algo por mim.’
Esta é a minha ligação com Anna: Marcus. Nossa mútua obsessão. Meu segredo. Seu
amante.
‘Que tipo de trato’, questiono.
‘Bem’, ela diz, ‘vou tentar explicar. Marcus tem necessidades especiais...’
Eu me pergunto que necessidades especiais seriam estas.
Será que Marcus manda Anna lamber seu saco enquanto ele desconstrói Os
Incompreendidos? Ou come ela por trás ao recitar aspas de O que é o Cinema? de André
Bazin. Ou será que gosta que ela enfie o dedo em seu cu enquanto debate os prós e contras da
teoria da abjeção?
Mal posso esperar pela resposta. Existem tantos detalhes que quero comparar com minhas fantasias, como o que o excita ou como ele transa. E só consigo pensar que a realidade é muito
melhor do que eu poderia imaginar. Esta é a minha ligação com Anna: Marcus. Nossa mútua
obsessão. Meu segredo. Seu amante.
Depois da aula nós pegamos um café e nos sentamos em um banco do lado de fora, no meio
de vários estudantes andando pra lá e pra cá para chegar às suas aulas. Nós sentamos debaixo
de uma árvore, protegidas do sol do meio-dia, porque a pele de Anna é muito clara e ela
prefere mantê-la assim. ‘Fico queimada facilmente’, ela diz.
‘Ok’, começo, ‘me diga. Eu preciso saber, porque estou enlouquecendo, qual é a tara de
Marcus?’
‘Ele gosta de fazer no escuro.’
Meu coração murcha. Marcus parece decepcionantemente normal.
‘Mas você me disse que ele era maluco. Isso não soa como maluquice.’
‘Espere, deixe eu terminar’, ela diz. ‘Num armário. Ele gosta de transar dentro de um
armário.’
Eu ainda não estou convencida e franzo a testa ligeiramente.
‘Ele é muito tímido, sabe?’, Anna complementa, percebendo minha decepção.
Marcus tem um armário enorme em casa, e como tudo em seu apartamento – que é enorme,
mal iluminado e pouco decorado – o armário é antigo, velho, gasto, de madeira.
‘Não há nada de confortável no apartamento dele’, ela me conta. ‘Nenhum sofá,
travesseiros, almofadas, tapetes, nem mesmo cortinas nas janelas.’
‘Nem uma cama?’, pergunto.
‘Ele dorme em um colchão no chão, mas nós nunca transamos nele’, diz Anna. ‘Eu só abri a
geladeira uma vez’, ela continua, ‘e estava quase vazia. A única coisa que tinha era chá. Não
eram folhas de chá, eram saquinhos de chá. Uma caixa de sacos de chá. Nada de leite.’
Enquanto o apartamento de Marcus carece de mobília e decoração, Anna me conta que há
uma coisa que tem de sobra: livros e papéis.
‘Há livros amontoados em cada centímetro das estantes que vão do chão ao teto, cobrindo
as paredes”, diz ela. ‘Eles estão todos meticulosamente organizados por assunto: cinema e
sexo, arte e religião, psicologia e medicina. E quando o espaço nas prateleiras acabou, ele
começou a empilhá-los no chão, em mesas e cadeiras, como um colecionista que aproveita
cada centímetro possível.’
‘Além disso, onde não há estantes, vemos arte cobrindo as paredes. Arte erótica. Nada
muito pornográfico’, diz Anna, ‘apenas estranhas fotos obscenas.’
Anna me fala sobre as fotografias desfocadas de casais transando que parecem pinturas de
Francis Bacon. Cenas de rua com prostitutas. Desenhos pornográficos. Coisas que nem
parecem arte erótica – enormes colagens de rostos, lugares e objetos recortados de jornais e
revistas – mas que claramente têm uma função sexual para Marcus. E coisas que não podem
ser confundidas com mais nada.
Ela diz que há dois quadros, em particular, que chamaram sua atenção mais do que os
outros. Eles estão pendurados lado a lado em um pequeno recanto no corredor de entrada, à
direita de quem chega pela porta da frente, e sempre que vai visitar Marcus, Anna fica parada
ali, só os admirando por um tempo.
Uma das pinturas é a de duas mulheres deitadas lado a lado, a curvatura dos corpos formando um par de lábios. Elas usam cintas-ligas e meias-calças e têm peitinhos empinados
com mamilos vermelho-cereja.
‘Uma das mulheres usa um véu preto e parece com você’, Anna me conta.
‘Como assim?’
‘Morena, com um sorriso doce e sensual’, ela pisca o olho.
Anna está flertando comigo e eu não sei como reagir. Sinto meu rosto corar e espero que ela
não tenha reparado.
‘A outra’, ela continua, ‘não tem cabeça. No lugar, há dois braços que emergem do fundo
escuro do quadro e são como patas de caranguejo que seguram os mamilos com as pinças.’
Anna me diz que a outra pintura é tão estranha que chega a ser difícil de descrever. À
primeira vista, parecem três mulheres de meia-arrastão entrelaçadas em um ménage à trois.
Quando se olha mais atentamente, partes de corpos masculinos aparecem misturados aos
femininos. Órgãos sexuais e membros brotam de lugares que não deveriam. Mãos
fantasmagóricas puxam e agarram. É um pouco perturbador, Anna diz, como se estivesse
olhando para um corpo feito de vários outros de sexo indeterminado.
Enquanto ela me descreve os quadros, começo a pensar que, todo esse tempo, a sexualidade
de Marcus sempre havia sido um mistério para mim, no entanto jamais tinha questionado sua
orientação. Isso nunca passou pela minha cabeça.
‘Marcus é gay ou bi?’, deixo escapar.
‘Ah, não’, Anna diz, ‘Acho que não. Ele só é muito, muito esquisito.’
Realmente pareceu. Uma casa sem móveis e sem comida mas cheia de livros, papéis e arte
erótica. É como se Marcus se sentisse confortável com austeridade. Ou como se seu cérebro
estivesse tão ocupado que não sobrasse tempo para cuidar do corpo. Neste caso, por mim tudo
bem, já que eu só quero mesmo ser comida por seu cérebro.
Anna diz que toda vez que eles se encontram, o que ocorre duas vezes por mês, a mesma
coisa acontece entre eles, em todas as ocasiões. Marcus tem cada detalhe planejado e espera
que tudo seja cumprido à risca, como num ritual.
Ela deve chegar em um horário específico.
‘Eu não posso me atrasar’, ela conta. ‘Nem um minuto, nem mesmo trinta segundos. Chego
sempre na hora para as minhas aulas particulares. Tenho a chave do apartamento, então eu
mesma abro a porta.’
Agora eu entendo por que ela está sempre atrasada para a aula dele.
Só para foder com ele.
‘Marcus já está lá quando eu chego’, ela continua. ‘No quarto dos fundos. No armário. Com
a porta fechada. E ele fica tão silencioso, tão quieto, que você nem saberia que ele está lá, que
há alguém no quarto. As cortinas estão fechadas e as luzes apagadas. Está escuro, mas ainda
há claridade suficiente para enxergar.’
Anna conta que o armário tem dois buracos em uma das portas, como se dois nós da madeira
tivessem caído. Um pequeno. Um maior. Um à altura da cabeça, e o outro mais embaixo.
‘Marcus jura que já estava assim quando comprou’, diz Anna. ‘Mas eu não acredito.’
Quando Anna chega, ela deve estar vestida com o uniforme que Marcus a mandou usar. A
mesma roupa todas as vezes ‘Como ele manda você se vestir?’, pergunto.
‘Adivinhe’, Anna diz.
‘Como uma enfermeira?’, chuto.
‘Não’, ela diz.
‘Como uma estudante?’
‘Uh-uh.’ Ela balança a cabeça.
‘Prostituta?’
‘Nada disso’, ela rebate.
‘Ok, você tem que me contar.’
‘Como a mãe dele.’ Ela ri.
Eu a olho estupefata e Anna mal pode esperar para revelar mais. Ela me fala que tem que
usar um vestido largo e florido, sapatos sem salto, meia-calça cor de pele e uma calcinha
muito, muito grande que parece um cinto de castidade feito de poliéster. Ela se veste como a
mãe de Marcus, em roupas que pertenciam a ela. Roupas que a mãe de Marcus tinha desde os
anos 1950 e usou até a morte, mas que ainda pareciam novas e perfeitas, como se tivessem
saído da loja no dia anterior.
‘Isso está esquisito demais para você? Estou indo muito longe?’, Anna pergunta, sorrindo.
‘Um pouco...’ digo. Porque agora Marcus parece menos com Jason Bourne, o que é bom. Já
não acho mais que ele faz sexo como Jason Bourne faria. De meias e com as luzes apagadas.
Só no papai-e-mamãe. Como um homem de verdade.
Agora ele soa mais como Norman Bates, o que é ainda melhor, já que eu tenho uma queda
enorme, enorme, por Anthony Perkins desde a primeira vez que assisti a Psicose e me
apaixonei perdidamente por seu visual engomadinho de menino bem criado. O rosto magro,
ossudo. Aquelas maçãs do rosto. O cabelo preto brilhante milimetricamente aparado,
perfeitamente esculpido. Aqueles olhos escuros e misteriosos. Aquele sorriso. Tão lindo. E
saber que sob tudo isso havia um perturbado psicopata só o deixava mais delicioso. Parece
que Marcus é completamente obcecado pela mamãe, assim como Norman Bates e Charles
Foster Kane.
‘Vamos recapitular’, digo a Anna. ‘Você está no quarto, vestida como uma dona de casa dos
anos 1950 saída de um episódio de Além da Imaginação, e Marcus está no armário, com as
portas fechadas e o olho fixado num dos buracos, observando você.’
‘Isso’, ela diz. ‘E eu faço exatamente o que ele me pede. Eu me viro de costas e começo a
me despir, tirando as peças de roupa na ordem que ele determinou.’
‘Exatamente da mesma forma todas as vezes?’, eu pergunto.
‘Tem que ser’, diz Anna, ‘É uma coreografia. Eu me sinto como uma comissária de bordo
demonstrando os procedimentos de segurança. Já repeti tantas vezes que já até botei meu toque
pessoal, incluindo coisas que acho que ele gostaria.’
Anna não economiza nos detalhes e, enquanto ela fala, eu vejo tudo acontecer na minha
cabeça.
Primeiro ela tira o vestido largo, que desabotoa pelas costas, escorrega pelos ombros, um
por um, e deixa cair no chão. Ela olha para trás e para baixo sobre seus ombros enquanto faz
isso, para garantir que o vestido não vá prender nos sapatos quando ela sair dele. Então Anna abre o sutiã, suspendendo-o em seu colo para que seus seios voltem à posição natural, num
balanço suave. Ela curva os ombros para frente e as alças caem.
‘Ele gosta de ver o sutiã deslizando pelos meus braços’, Anna diz. ‘E de quando eu o pego e
o jogo para longe do meu corpo.’
Eu imagino Anna seminua, de pé, com as sapatilhas e as meias cor de pele presas por ligas.
Meu olhar passeia por seu bumbum redondinho e seios com mamilos cor de salmão.
Para mim, só há uma coisa errada nesta fantasia: a fantasia de Marcus. Anna tem que usar
uma cinta antiga que cobre mais ou menos quatro quintos de sua bunda, deixando à mostra
aquelas calçolas de poliéster cujos elásticos apertam e marcam as nádegas. O que agrada a
Marcus, mas é desestimulante para qualquer outro punheteiro no mundo.
‘Ele gosta que eu estique uma perna e me abaixe enquanto solto as ligas’, Anna continua,
‘ele gosta que eu me curve bastante, para que possa ver meus seios pendurados. Eu solto as
ligas nas coxas, uma por uma, então dou uma reboladinha enquanto tiro a cinta.’
Anna então se livra daquela calcinha enorme e deselegante, vagarosamente, porque ela diz,
‘Marcus gosta de bundas e, para ele, a graça está em prolongar a provocação.’
Ela só pode chegar até aí. Marcus quer que ela fique com as meias e os sapatos. E um longo
colar de pérolas negras e brancas que repousa entre seus seios. ‘As pérolas da mãe dele’,
Anna diz.
Enquanto faz sua performance, Anna fica proibida de olhar em sua direção. ‘Marcus é muito
rígido quanto a isso’, ela conta. ‘Uma vez, eu desviei o olhar para o armário, com o canto do
olho. Então eu vi este imenso globo ocular colado na porta, emoldurado por um buraco da
madeira. E acho que ele me pegou no flagra, pois não sabia para onde olhar.
‘O olho ficou constrangido. Ele se virou de um lado para o outro, para cima e para baixo,
varrendo o cômodo freneticamente, procurando um esconderijo. E não era Marcus. Para mim,
não era Marcus, era só um globo ocular numa longa fenda de madeira. Fiquei tão perturbada
com aquilo que nunca mais olhei de novo.
‘Então ele gosta de observar mas não gosta de ser observado’, concluo.
‘É a única maneira de deixá-lo totalmente ereto’, Anna diz.
Eu penso no Doutor Alfred Kinsey. Pelo que sei, ele só conseguia gozar de um jeito. Isso
eles deixaram de fora do filme, a parte em que Kinsey enfia coisas em seu pinto. Coisas que
não deveriam estar ali. Objetos que nem sempre cabiam. Itens jamais mencionados em todos
os dados que ele compilou, ordenou e organizou. Capim, palha, cabelo, cerdas. Bastava ser
longo, flexível e fazer cócegas.
Pensar em Kinsey e ouvir a história de Anna sobre Marcus faz minha fantasia de transar com
Jack na sala de seu chefe parecer muito sem graça. Mas Anna ainda não terminou.
Uma vez que ela já se despiu e dobrou suas roupas cuidadosamente sobre uma cadeira,
então, e só então, Anna diz que tem permissão para se virar e olhar.
O que ela vê é o pênis ereto de Marcus aparecendo lentamente através do buraco de baixo
da porta do armário, como um caracol saindo de sua concha.
‘Eu suspiro’, diz ela, ‘da forma como Marcus mandou – numa combinação perfeita de
horror, surpresa e alegria.’
Anna permanece lá, fincada no mesmo lugar, olhando, de boca aberta, até quase todo o pênis
aparecer e as bolas saírem pelo buraco e ficarem penduradas na porta.
‘Quando seu pau começa a se contorcer’, diz ela, ‘como se estivesse acenando para mim, eu
me sento e começo a lambê-lo do jeito que você lambe sorvete derretido que está escorrendo
pela casquinha.’
‘Isso são somente as preliminares, certo?’, pergunto.
Eu só quero ter certeza, porque tudo soa tão intenso.
‘Sim’, diz Anna, ‘só as preliminares.’
Mesmo que somente uma porta os separe agora, Anna diz, Marcus não faz um som. Ela nem
consegue ouvi-lo respirar. Nenhum suspiro de excitação para deixá-la saber que está no
caminho certo, apenas pequenos espasmos em seu pênis enquanto ele se afasta de sua língua.
‘Daquele jeito que seu joelho dispara quando o médico bate com um pequeno martelo de
prata’, diz ela.
‘Como você sabe a hora de parar, para ele não gozar.’
‘A porta abre’, ela diz. ‘É meio assustador.’
Imagino uma porta rangendo em uma casa mal-assombrada daqueles filmes antigos em preto
e branco que passam na TV de madrugada e não há nada nem ninguém atrás dela, somente um
borrão preto.
‘É o meu sinal para entrar’, ela conta. ‘E eu posso sentir meu coração batendo acelerado
toda vez, mesmo sabendo exatamente o que vai acontecer e quem está atrás da porta.’
Anna entra no armário, fecha a porta atrás dela e não consegue enxergar nada, porque
Marcus tapou os buracos com lenços de papel para nenhuma luz entrar.
‘Leva um tempo até meus olhos acostumarem’, ela fala. ‘E mesmo assim, tudo que consigo
ver são sombras na escuridão que se mexem como vapor e parecem alucinações.’
‘Qual o tamanho do armário? Você não se sente claustrofóbica?’
‘É grande o suficiente para meus pés serem a única parte do meu corpo a tocar os lados’,
ela diz. ‘E é assustador como eu logo perco a noção de espaço e tempo. Fica muito quente lá
dentro, um calor seco-úmido, como num banho turco, porque Marcus já usou grande parte do
ar, daí começo a suar logo que entro.’
‘O que acontece depois?’, questiono ansiosa.
‘Aí eu sinto sua mão úmida no meu peito. Você deve achar que é horrível’, Anna diz, ‘mas
me dá muito tesão. Muito tesão. Ser tocada assim, por uma pessoa que não posso ver, num
espaço tão pequeno.’
Faz todo o resto valer a pena, ela fala, as preliminares desconfortáveis que Marcus insiste
que devem ser feitas de acordo com as regras.
‘De qualquer forma’, ela diz, ‘uma vez que estamos no armário, no escuro, com a porta
fechada, e o contato físico começa, não há mais regras. Ele perde a timidez. Marcus fode
como um louco, como uma fera, como uma pessoa completamente diferente. O armário todo
balança.’
‘De quantas maneiras dá para transar em um armário?’ penso alto.
‘Você ficaria surpresa’, diz Anna. ‘Nós provavelmente já fizemos todo o Kama Sutra cinco
ou seis vezes até agora’, ela conta.
‘Uma vez ele estava metendo com tanta força que o armário chegou a tombar. Com as portas
voltadas para o chão. Nós ficamos presos. Marcus nem se importou. Isso o deixou ainda mais excitado. Nós transamos por horas. Daí ele deu um soco para fora e nós saímos nos
arrastando, nus e arranhados.
Após saírem do armário, Anna tem uma última tarefa a cumprir. Eles vão para o banheiro e
ela tem que lavá-lo.
Anna conta que é um banheiro muito velho, com piso de cerâmica e paredes com tinta
descascada devido à umidade. E Marcus tem uma daquelas banheiras antigas que parecem um
bote, com o chuveiro saindo de um longo mastro de aço que se estende a partir da bica.
‘Marcus só toma banho de chuveiro, nunca de banheira’, diz Anna.
‘Por quê?’, pergunto.
‘Ele diz que pessoas se afogam em banheiras.’
Eu deixo passar, mas me pergunto se Anna havia percebido que ele estava repetindo uma
frase de Cassavetes.
Uma vez que estão no chuveiro, Anna ensaboa Marcus, esfregando vigorosamente suas
costas, seu peito, em volta de suas coxas, debaixo dos braços e atrás de seu saco. Ela o enxuga
com a toalha e então ele sai do banheiro sem dizer uma palavra, deixando-a sozinha para se
vestir. Quando ela acaba, ela mesma abre a porta para ir embora.
‘É sempre assim’, ela diz. ‘Sempre. Nunca foi diferente.’
‘Você já transou num armário?’, Anna me pergunta, com naturalidade.
Tenho que admitir para ela que não, nunca transei. E, depois de ouvir tudo isso, me sinto
tristemente normal.
Nós permanecemos sentadas ali embaixo da árvore por alguns minutos, em silêncio. E
surgem na minha cabeça umas falas de Marlon Brando em O Último Tango em Paris, que ele
quase joga fora no monólogo que declama para sua falecida esposa, num caixão à sua frente:
‘Um pequeno toque maternal à noite.’
Então se é disso que Marcus gosta, por mim tudo bem. Porque muitos homens maravilhosos
tinham Complexo de Édipo.
Estou absorvendo tudo que Anna me contou. Tomo um gole de café e me assusto quando
sinto que já está quase frio, de tanto tempo que estamos ali.
‘Eu estraguei suas fantasias?’, Anna pergunta. ‘Espero que não. Embaixo de tudo isso,
Marcus é um cara muito doce.’
‘Oh, não’, digo, ‘Claro que não.’
Agora eu quero saber ainda mais. Agora sinto que posso ler Marcus como um livro e
descobrir uma coisa nova sobre ele a cada página. E eu adoraria que Marcus pudesse me
ensinar o que significa ser esquisito.
Logo me dou conta de que Anna também pode me ensinar muito sobre esta loucura.
Quanto mais a conheço, mais penso nela como aquela melhor amiga que entende tudo que se
passa dentro de você. Eu posso lhe contar qualquer coisa e ela vai me dizer exatamente como
estou me sentindo e por quê. É como se fôssemos duas cabeças com um só cérebro e uma
consciência compartilhada. Às vezes ela termina minhas frases antes que eu possa começá-las.
Nós nos complementamos perfeitamente. Você poderia dizer que nascemos uma para a
outra. As pessoas dizem que poderíamos ser irmãs. Eu não consigo ver isso. Anna leva
vantagem em tudo se comparada a mim. Ela é tudo que não sou.
Ela é a beleza. Eu sou o cérebro.
Eu sou a garota inteligente. Ela é a popular.
Ela me faz rir. Ela não tem o filtro entre o cérebro e a boca que a maioria das pessoas tem.
Ela olha para um cara aleatório na aula e, do nada, diz coisas inapropriadas e fofas como: ‘Eu
me pergunto se ele é circuncisado ou não.’ E ‘eu diria que ele é curvado para a esquerda.’ Ou
‘Aposto que seu esperma tem gosto de gelatina de limão.’
Mas ela não acha que isso é inapropriado. É só o que precisa ser dito naquele momento. Ela
é tão pura, descomplicada e livre neste aspecto. Para ela, sexo é tão natural quanto respirar.
Eu gosto tanto de Anna, de tudo sobre ela, que eu invento uma desculpa para Jack me buscar
na aula para almoçarmos juntos. Isso porque quero que ele conheça minha nova melhor amiga.
Eu os apresento com orgulho. Mas as coisas não acontecem como eu havia planejado. Jack
fica tão intimidado por Anna que mal consegue olhar para ela ou balbuciar umas poucas
palavras. Ele fica quieto e só eu falo. É desconfortável. Rapidamente ele arranja uma desculpa
para ir embora.
Quando chego em casa mais tarde, jogo o nosso jogo, determinada a arrancar dele o que
realmente acha dela.
‘Você gostou da Anna?’, pergunto.
‘Ela é legal’, ele responde.
‘Você acha ela bonita?’
‘Acho que sim’, ele diz.
‘Se você não estivesse comigo, estaria com ela?’
‘Eu não acho que sou o tipo dela’, ele diz.
‘Você não respondeu a pergunta’, digo.
‘Sim, eu respondi’, Jack retruca.
‘Mas ela é o seu?’
‘Pode ser’, ele fala.
‘Os peitos dela são lindos, não acha?’
‘Com certeza’, ele diz.
‘Você gosta do bumbum durinho e redondo dela?’, pergunto.
‘Onde você quer chegar?’, diz Jack, frustrado.
‘Bem, você gostaria de transar com ela?’ provoco.
‘Talvez’, ele diz.
Mas essa não é a resposta que eu quero.

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