Prólogo

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Dizem que uma pessoa de dupla personalidade tem duas vidas. Cada uma com suas regras e desfechos, a pessoa pode amar e odiar ao mesmo tempo. Pode sorrir e chorar sem mudar de expressão ou até mesmo ferir as pessoas que o protegem sem saber o que está fazendo. Surtos, gritos, sorrisos, abraços e agressões fazem parte da vida de Edgar Castrinni.

Edgar é um rapaz problemático, filho mais velho de um casal conhecido na pequena cidade de Santa Monica, no interior de São Paulo. Os pais lutaram desesperadamente para arrancar este lado sombrio do filho, mas nunca conseguiram tal proeza. A ponto de perder a renda da família, os amigos e o prestígio social, a família tiveram que escolher entre uma vida próspera ou o filho. A única coisa que resta é trancafiá-lo e cuidar de sua filha mais nova Ester, para assim tentar viver normalmente. Já que escândalos não podiam mais ocorrer naquela casa, ou os negócios do patriarca poderiam acabar e perderiam tudo.

Edgar vive os últimos anos depois que saiu de sua escola, preso no porão da casa dos Castrinni. Os pais alegam para todos que o rapaz está feliz vivendo em uma fazenda com os tios.

Seus olhos mais fundos que um poço vazio. Suas olheiras mais escuras que o quarto onde vive, e sua magreza descuidada denuncia o seu sofrimento. Que pudera ter o matado se não fosse pela menina de cabelo vermelho fogo. A doce Ester, que desce no porão todos os dias e passa horas com o irmão. Ester o alimenta, corta seu cabelo, lava suas roupas e traz presentes. O sorriso amarelado do rapaz faz o coração da irmã saltitar de felicidade, mesmo os pais não aprovando. E assim os anos foram passando e Ester fora cuidando de seu irmão e criando um laço não destrutivo.

— Hoje é o seu aniversario de dezessete anos Ester — fala uma voz rouca e grave.

— Sim irmão, mas não gosto de comemorações, você está aqui em baixo e não pode comemorar com o bolo que a mãe sempre faz para os meus aniversários, tentando disfarçar o que acontece aqui.

— Não fique assim. Estou feliz. Logo estarei curado e vou sair do porão.

— A mãe diz que nunca vai se curar, e tem medo do que você pode fazer. — O rapaz sentado em uma cama desgastada com um colchão velho, segura firme a corrente em seu tornozelo.

— Ela faz isso por que me ama.

— Não! Ela faz isso porquê é doente. Mais doente do que você. — Ester prende o cabelo em um coque, e sorri com seus dentes brancos para o irmão, — não se preocupe, vai acabar.

— "Ele" me disse que vai acabar Ester, e não vai demorar.

— Não existe "ele" e você sabe disso. Vou denunciar novamente. Estou ficando mais velha e agora vão acreditar em mim. Nossos pais, por serem importantes na cidade sempre acabam impunes das minhas denúncias, mas vão acreditar desta vez.

— Tenha um pouco mais de paciência. Agora suba que o cheiro da comida de seu aniversario está maravilhosa.

Os passos dados pela garota até a escada parece uma eternidade em sua consciência, subir para comer um banquete de aniversario e não puder compartilhar com o irmão acaba com sua alegria. Ao sair do porão Ester vai direto para seu quarto. Onde senta na frente de um grande espelho. Tudo muito claro, detalhes animados por toda a decoração do grande cômodo onde dorme. Seus pais a trata como uma princesa, mesmo ela sabendo que não é. Desamarra o cabelo, pega um pente grande e acaricia as mechas brilhantes, pouco a pouco. Seus olhos claros de um azul cristalizado, parece escurecer a cada frangir de testa, sua feição muda e seu rosto de porcelana agora trás um olhar demoníaco. Com o cabelo escovado, a garota pega um batom vermelho sangue e leva aos lábios delicados e os deixam marcantes. Levanta e sorri mais uma vez para o espelho. Dando uma piscadela ela exclama.

— Aqueles putos vão pagar por fazer o Ed sofrer.

~~

O sangue escorre feito uma fonte de um rio escuro sobre os degraus do porão, onde chamas ardiam feito o inferno criado. Ester é acordada de um sono pesado — devido a ferida em sua cabeça — por um policial usando uma mascará de gás. Os olhos claros da menina não podiam enxergar direito pela tontura, mas sabia que algo havia acontecido, porém não se lembra.

Tentou levantar e com a ajuda do policial consegue. E a primeira coisa que vê são seus pais mortos. O pai estava com a costa dilacerada por um machado deitado sobre a mesa de vidro quebrada, seu sangue traça uma linha de morte até o sangue da mãe que fora desfigurada, — o machado continua em seu crânio —, suas pernas bandearam novamente e a única coisa que ela faz é gritar. Um grito de dor e agonia, de não lembrar quem fez aquilo. Suas lágrimas caem sobre o chão que ela soca desesperadamente.

— Onde está o Edgar? — O policial pega a menina no colo, enquanto os bombeiros apagam as chamas do porão que tenta consumir o restante da casa. A voz sussurrada do policial encontra o ouvido da menina.

— Vai ficar tudo bem.

Ester treme. Seu lábio rachado e seu pânico é vivenciado por todos os vizinhos, que aproximam-se para ajudá-la. E uma médica a consola.

— Você se lembra de alguma coisa?

— Não. — Um homem levando uma prancheta afirma com todas as palavras possíveis.

— Isso foi um crime brutal. Edgar Castrinni viveu em carcere privado por tempos, conseguiu fugir, matou os pais e depois ateou fogo em seu corpo. Me desculpe por ser franco, mas foi o que aconteceu.

O choque por escutar fora mais pesado do que ela imagina. Sempre soube que seu irmão era louco, o ama desesperadamente — talvez pela situação que ele vivia, — mas não imaginava que ele fosse capaz daquilo. Entretanto algo mais aconteceu, e a garota tenta entender como não se lembra daquele massacre. Sua mente grita buscando encontrar respostas. Sem nenhuma chance de encontrar.  


Meu Psicopata de EstimaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora