Tremei, gigantes do mundo!

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Com certeza, vocês já ouviram falar de Dom Quixote.
Contam que viveu há muitos séculos em uma aldeia de La Mancha, entre campos de trigo e moinhos de vento.

O que talvez vocês não saibam é que Dom Quixote não se chamava assim desde de criança pois, na verdade, havia sido batizado com o nome de Alonso Quijano. Até fazer cinquenta anos, a ideia de ter outro nome nem passou pela cabeça do senhor Alonso. Porém, um belo dia, decidiu
fazer-se cavaleiro andante, e para isso pôs em si mesmo o nome de Dom Quixote de La Mancha. A partir daquele momento sua vida mudou para sempre.

Tudo começou por culpa dos livros. O senhor Alonso adorava ler. Gostava de poemas de amor e de romances de pastores, de histórias de viagens e dos versos que falam de mouros( Denominam-se mouros de forma geral às populações islamizadas do noroeste de África, responsáveis pela Invasão islâmica da península Ibérica a partir do século VIII.) e cristãos. Mas o que o punha louco mesmo eram os livros de cavalaria. Hoje, ninguém mais lê esses livros, mas, na epocá de Dom Alonso, eram o maior sucesso.

Os livros de cavalaria contavam as aventuras de sujeitos muitíssimos valentes que se faziam chamar "cavaleiros andantes". Iam pelas estradas a cavalo, com uma lança na mão, uma espada pendurada no cinto e um escudo apertado contra o peito. Procuravam criaturas perversas a quem derrotar e órfãos e viúvas a quem denfender. Dormiam nos bosques sob um manto de estrelas e sonhavam com lindas princesas a quem haviam jurado amor eterno. E não passavam nem um dia sem lutar contra algum bando de arruaceirros, contra um feiticeiro que os estivesse perseguindo ou contra um dragão cuspidor de fogo. Um bom cavaleiro andante estava disposto a dar a vida pelos outros e não temia nem a morte em pesssoa. Certa vez, o cavaleiro Brandibarbado das Brancas Mãos deu de cara no meio do bosque com um gigante alto como uma torre, que lhe disse aos berros:
- Venha aqui, cavaleiro, e lute comigo se se atreve!

É claro que ele se atreveu! Brandibarbado sacou a espada, saltou no pescoço do gigante e o despachou para outro mundo num piscar de olhos. Ah! A vida dos cavaleiros andantes era maravilhosa! Ou, pelo menos, assim pensava o senhor Alonso Quijano.

Dom Alonso gostava tanto de livros de cavalaria, que ficava dia e noite lendo sem parar. E, toda vez que o via trancado no quarto, a empregada lhe dizia:
- Se o senhor continuar lendo desse jeito, vai acabar louco de tanto dragão e gigante!

Ao quem Dom Alonso respondia:
- Me deixe ler, que o cavaleiro Cirongílio de Trácia acaba de rebentar a cabeça de um dragão que tem seis pares de olhos.

Ou lhe dizia:
- Me deixe ler, que o cavaleiro Amadis de Gaula está declarando seu amor á belissima Oriana no castelo de Miraflores.

E a criada ia embora resmungando. Não podia entender como, aos cinquentas anos, Dom Alonso continuava a se encantar que nem um menino com aqueles disparates.

O fato é que o senhor Alonso gostava tanto dos livros de cavalaria que deixou de comer e de dormir, para ficar só lendo. Chegou, inclusive, a vender boa parte das suas terras para comprar livros e mais livros. Até que, de tanto ler e detão pouco dormir, seu cérebro secou e ele ficou louco. Foi quando disse:
- Serei um cavaleiro andante! Me chamarei Dom Quixote de La Mancha e irei pelas estradas em busca de aventuras. Em dois dias, matarei mais gigantes do que o imperador Carlos Magno em toda sua vida. E os órfãos e as viuvas me beijarão os pés, de tanta ajuda que vou lhes dar!
Não havia dúvida: Dom Alonso estava louco de pedra! Na idade dele, melhor teria sido dar uma voltinha no campo, sair para conversar com o padre e com o barbeiro da sua aldeia, tomar sopa quente e dormir muito.
Mas, em vez disso, cismou de virar cavaleiro andante.
Cavalgaria sem descanso dia após dia, daria espadadas a torto e a direito, dormiria no meio do bosque e comeria ervas do campo se não encontrasse nada melhor. Pobre Dom Alonso! E dizer que havia sido sempre tão ajuizado!

Para ser um cavaleiro andante como Deus é servido, Dom Quixote precisava de armas com que lutar. Então lembrou-se que em algum canto da sua casa havia uma armadura e uma lança dos seus bisavós. Estavam cobertas de poeira e não eram nenhuma maravilha, mas pareceram a Dom Quixote as melhores armas do mundo, e limpou-as com tanto capricho, lhes deu tamanho brilho, que no fim pareciam acabadas de estrear.
O elmo (Capacete) teve de ser ajeitado com pedaços de papelão mas, como ele era muito jeitoso para cortar, costurar e colar, ficou que nem novo. No dia em que experimentou aquele velho traje de metal, Dom Alonso sentiu-se um homem feliz.
- Tremei, gigantes do mundo- disse de si para si, cheio de orgulho-, que aqui está Dom Quixote de La Mancha!

Mas um bom cavaleiro precisa de mais do que apenas armas. Precisa também de um cavalo. O de Dom Quixote estava pele e osso, porque o coitado não tinha dinheiro para comprar outro melhor. Porém, como havia perdido a razão, aquele pareceu-lhe mais valioso do que fosse de ouro.
"Vou dar-lhe um nome", disse para si mesmo, pois nos livros que lia cavalos dos grandes cavaleiros sempre tinham nomes sonoros e musicais.

Dom Quixote passou quatro dias pondo e tirando nomes no seu cavalo. "E se o chamasse Cantabruno?", perguntava-se. "E se o chamasse de Passadoce? E se o chamasse Saltaventos? E se o chamasse Diadorante?" Até que, por fim, exclamou cheio de felicidade:
-Vai se chamar Rocinante!
E o cavalo ficou com esse nome até o fim dos seus dias.
Mas não creiam vocês que armas e um cavalo fossem suficientes para um bom cavaleiro. Precisava ter também uma princesa a quem amar loucamente.

E onde Dom Quixote ia arrumar uma princesa? Em La Mancha havia mulas, moinhos, estradas, carvalhos, porcos e uma centena de coisas mais,porém nenhuma princesa havia sido jamais vista por lá. Todas as mulheres daquelas terras eram simples camponesas que trabalhavam na roça de manhã á noite. Quem havia, então, de ser a amada de Dom Quixote? O pobre passou vários dias pensando sem parar, até que, de tanto pensar, se lembrou de Aldonza Lorenzo. Sim, Aldonza Lorenzo seria sua amada!
Aldonza Lorenzo era uma camponesa do povoado de Toboso. Dom Quixote se havia apaixonado por ela quando jovem, porém sem nunca lhe dirigir uma única palavra. A espiava de longe, por trás das árvores, porque tinha vergonha de conferssaar-lhe seu amor. Com o tempo, esqueceu-se dela, pois nas verdade Aldonza Lorenzo não era o que se poderia chamar se uma mulher bonita.
Tinha o lábio sombreado pelo buço, braços grossos de marinheiro, cabelo que nem piaçava e mãos grandes feito ancinhos. Porém, como Dom Quixote estava louco varrido, imaginou que Aldonza Lorenzo fosse uma princesa; a princesa Dulcineia de Toboso! E que linda era Dulcineia na imaginação de Dom Quixote! Tinha a pele branca como a neve, faces rosadas como cravos, cabelos dourados como o sol e mãos delicadas como asinhas de anjo. E, em vez de semear trigo e catar batatas, costurava com fios de ouro e cantava canções ao som de uma harpa. Enfim, qualquer homem teria dado a alma para conhecer uma mulher como Dulcineia.


Era uma vez Dom QuixoteOnde histórias criam vida. Descubra agora