Cresci numa casa na beira da estrada, sem vizinhos ou comércio adjacentes. É de se pensar que uma infância dessas fosse monótona, só que a minha fora cheia de aventuras e desventuras. A história que contarei agora é sobre um dos eventos de quando ainda era menino e que, junto com outros, conferiu àquele tempo uma característica única. Também me forço a afirmar: não contarei nada feliz ou triste, abstrair-me-ei de tais qualidades e apenas garantirei se tratar de uma história interessante.
Naquela época, eu costumava brincar em um balanço de madeira barulhento, construído pelo meu pai. Isso, ficar assobiando os hinos entoados pelos pássaros e ler todos os livros da biblioteca de meus pais eram a minha diversão. Em uma das balançadas, lembro-me de ter visto em meu quintal um bicho estranho, que me pareceu estar perdido. Como toda criança, curiosa e insolente, resolvi pegar o bicho sorrateiramente para que pudesse o ver melhor. Era um tatú.
- Por favor, me poupe senhor gigante! – disse o tatú como quem suplicava pela vida - Eu estou perdido e não sei como vim parar aqui. Nunca ousaria invadir morada de outros, ainda mais a de gigantes.
- Você entrou em minha casa sem ser convidado, e isso é um fato, senhor tatú. Pode não se considerar ousado invasor, mas pede clemência ousadamente sem sequer se apresentar.
- Mil perdões, senhor gigante! Meu nome é Canastra e farei de tudo para reparar minha ofensa. Então, por tudo que tens de mais querido, peço que me considere a suas ordens.
- É um prazer te conhecer, senhor Canastra. Meu nome é Menino e assim você pode me chamar. Como se pôs às minhas ordens e tendo você conhecido minha casa, mesmo sem ter sido chamado, então, peço que me convide para conhecer a sua.
- De certo eu te levarei a minha secreta morada, Menino, se assim considerar perdoada minha ofensa. Mas, em consideração a sua estima, peço para que aja não como um gigante, e sim como um tatú, pois de onde eu venho estranhos não são vistos com bons olhos.
-Não sou um gigante e nem um estranho, senhor Canastra, mas, como desejo muito me aventurar por um mundo desconhecido a mim, assim o farei.
Assim que entramos pelo buraco em meu quintal, tive a sensação de ter descido a uma caverna, com raios de sol que entravam por outros buracos, reluzindo os túneis como lanternas na escuridão. Fingindo ser um tatú, rastejei por todo o caminho, maltrapilhando as minhas vestes e sujando os meus joelhos. Depois de um tempo, finalmente chegamos ao nosso destino: um espaço imenso embaixo da terra.
- Bem vindo ao salão principal do Reino de Tatú. – disse Canastra.
Estava impressionado com o lugar. Era majestoso e organizado, com muitos corredores e túneis que desembocavam ali. Jamais imaginaria existir um lugar desses embaixo da terra. Minha comoção me fez levantar para ver tudo mais de perto, o que de pronto acabou com o meu disfarce de tatú.
Sem demora, após ter levantado, eu e Canastra fomos pegos pelos outros tatús que ali habitavam e levados a julgamento até o Rei Tatú, líder do Reino. Eu não havia compreendido a situação até ter ouvido os outros tatús chamando Canastra de traidor durante o caminho. Imaginei o pior e o vi se tornar realidade quando chegamos à presença do Rei Tatú. Aparentemente a presença de estranhos no Reino não era apenas uma questão socialmente reprovável entre seus habitantes, e sim uma ameaça ao seu funcionamento.
- Desprezível Canastra, por que traístes seus conterrâneos trazendo até nossos salões tão temeroso gigante? – disse o Rei Tatú.
- Jamais tive intenção de atraiçoar e não considero o ter feito, majestade. Apenas me encontrei em débito com este gigante, pois, em minhas andanças, acabei por adentrar sua propriedade sem sua permissão. – disse Canastra.
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O Estrangeiro no Reino de Tatú
Short StoryUm conto sobre a infância de Menino, quando ele conheceu Canastra, seu fiel escudeiro , e jurou lutar pelo até então majestoso Reino de Tatú. Conto enviado para participação no XXV Concurso Nacional de Contos José Cândido de Carvalho.