Hoje caminhei pela linha do comboio, estava nevoeiro e eu não via um palmo à minha frente mas eu queria continuar. Sem um caminho certo a seguir, queria apenas andar e andar.
Costumo caminhar muitas vezes sozinha e, por vezes, percorro alguns quilómetros faça chuva, faça sol. Não sei bem porque o faço, acho que de certa forma me sinto menos morta enquanto ando e sinto uma brisa fresca a bater na minha cara. Também não costumo ter algo melhor para fazer.
Sabem, é que eu não tenho amigos e a minha família parece odiar-me. Um cliché? Quem me dera. Quem me dera sentir-me viva outra vez, quem me dera ter algo que me faça acordar de manhã, quem me dera ter objectivos, ambições, sonhos. Coisas que parecem tão simples e eu não tenho.
Não sei bem o momento em que as coisas começaram a correr mal mas, talvez tenha sido no momento em que o meu pai descobriu que era lésbica enquanto vasculhava pelas minhas coisas. Eu não sei bem porque o fez, provavelmente porque eu nunca namorei com um rapaz e daí começar a desconfiar um pouco. Mesmo assim, a minha vida nunca foi "boa", pelo menos eu nunca me senti verdadeiramente feliz, tive alguns momentos mas nenhum deles prolongado.
Percebi verdadeiramente que gostava de mulheres aos 13 anos e o meu pai descobriu o meu "problema" quando andava no secundário, tinha 15 anos. E claro que nunca aceitou esta minha "deficiência". Quando se via sozinho em casa comigo dizia que "eu devia ter morrido, que eu era uma aberração, uma merda." Não foram palavras bonitas de se ouvir principalmente porque o mesmo se repetia quase diariamente.
Contei a alguns amigos que era homossexual mas um contou a outro e o outro contou a mais um. Pouco tempo depois toda a escola já sabia.
Algum tempo depois comecei a sofrer bullying por parte das raparigas da minha turma. Eu tentava ficar à porta da sala durante os intervalos agarrada ao telemóvel para ninguém me chatear, podia ser aborrecido mas isso fazia-me sentir um pouco mais segura pois estava mais perto dos funcionários e sabia que talvez tivesse alguém para me ajudar se precisasse. Mesmo com as minhas "precauções" eles arranjavam maneira de me humilhar principalmente nas aulas de Educação Física e fora da escola.
Não estava bem nas aulas, porque sofria bullying e não estava bem em casa porque tinha um monstro que me atormentava. Não é fácil passar grande parte da adolescência, sem amigos e a sentirmos que ninguém nos quer nas suas vidas.
Hoje, com mais de 20 anos, tento procurar em todos os lados um local para me integrar ou arranjar alguém com quem falar, desabafar, mas, parece que não é hoje. Como não foi ontem, nem anteontem, nem em qualquer um dos últimos anos da minha vida.
Sinto-me deslocada da minha cidade, do meu país e do mundo. Sinto-me triste, miserável e neste momento não tenho nada que me faça ter forças para continuar a viver.
Será que isso mudaria se amasse um homem? Não tenho a certeza. Acho que não vale a pena pensar nesse tipo de coisas porque não posso voltar atrás no tempo e mesmo que pudesse, não podia mudar quem eu sou e quem eu amo.
Ultimamente não tenho passado um dia sem chorar. Será que se morresse alguém se importaria? Por acaso, hoje até está um belo dia para uma caminhada mais longa.
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I'll Listen To What You Have To Say
Romance"I'll Listen To What You Have To Say" relata a história de Sarah Bong Sun, uma sul-coreana de 22 anos lésbica que tenta ser feliz com a sua sexualidade. Através do Twitter, começa a falar com Ahn Soo Min e percebe que têm muita coisa em comum. Duran...