Após chegar em casa, encheu um copo com conhaque e foi para a frente do espelho, lá se olhou demoradamente.
Lembrou-se de como sua vida era fácil e simples quando era jovem, como a felicidade era alcançada rapidamente. Sempre quis crescer, prosperar e ser feliz, mas quando finalmente a maioridade a alcançou, percebeu o quanto era difícil viver e conviver.
De que lhe adiantava viver num palacete, cercada de luxos e riquezas, se era solitária e amargurada. Era-lhe penoso todos os dias, ao acordar, vestir uma roupa, e como se fosse um acessório, também uma mascara. Vivia sempre mascarada, sendo o que a sociedade esperava, e sempre duvidou de que essa deveria ser realmente uma vida digna.
Quando finalmente encorajou-se e mesmo que às escondidas, fez o que seu coração pediu; foi condenada assim que descoberta, pois era mulher, e sua liberdade, mesmo que seu padrão social e nome permitiam muitas coisas, era limitada.
Como já não aguentava mais mascaras e padrões a seguir, tentou o que achou ser a única saída. Foi até o banheiro onde guardava os remédios que tomava, e despejou em sua mão comprimidos sem dar-se conta de quais e para que foram receitados para si.
Comprimidos diversos, e meio copo de conhaque, uma mistura perigosamente mortal. Tomou-os: era a morte lenta o bastante para que ela pensasse e repensasse o motivo da mesma, mas, mesmo que se arrependesse, seria tarde de mais.
E então, esperando os remédios fazerem efeito, colocou sua favorita de Tchaikovsky, e ouvindo o Concerto para piano N° 1, 1º movimento, esperou que a morte viesse busca-la.
Dançou enamorada consigo mesma e com o fantasma de uma vida perfeita e inalcançável. Embalada pelo som do piano, sentiu-se perdendo a lucidez, mas num ultimo momento, pensou em sua amargura e perda.
Quando seu corpo já não mais conseguia ficar em pé, sentou-se no chão e acabou por entrar em torpor. Desejou então que ele não acabasse, para que esquecesse suas magoas e tristezas. Já esgotada, deitou-se; enfim os remédios começaram a fazer o tão esperado efeito.
Ficou ali mesmo deitada no chão frio, olhando para o teto que certa hora a fez ter impressão de que podia sentir o mundo rodar. Perdeu não só a consciência do que do que acontecia, mas da vida por completo.
Teve então uma visão estranha: viu uma jovem sentada em uma clareira. Seu vestido estava espalhado pela grama, de forma que todo o chão era uma imensidão assustadoramente preta. A jovem era ela, com o cabelo solto e com o vestido que parecia a cada momento crescer e tomar toda a clareira em que estava. A saia do vestido tampou tudo, então a visão se desfez e a escuridão reinou.
Antes de o sopro de vida final espirar, caiu uma lágrima solitária que denunciava com qual dor partira.
" E o piano calou cessando a musica junto com a vida. "