Capítulo 1 Primeira aula. Ou não.

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Naquele dia, Rafael acordou sozinho. Às 4h da manhã. Perdeu o sono. Sem motivo. Não teria excursão, não era primeiro dia de aula, tampouco seu aniversário. Acordou porque acordou. Assim ele achava.

***

Olhou as mensagens no celular: "ñ esquece os 20 reais". Do Henrique. O dinheiro era para pagar a camiseta do interclasses. Ele já havia lido a mensagem na noite anterior. Nada de novo. Tentou voltar a dormir. Fechou os olhos. Abriu. Fechou novamente. Imaginou-se sonhando. Depois de cinco minutos, contudo, convenceu-se de que seria bobagem forçar um sono - e um sonho - que já não tinha mais.

Ficou na cama deitado, fingindo dormir as quase duas horas que faltavam.

Por que teria acordado tão cedo se, na noite anterior, havia ido dormir tão tarde?

***

Às 6h45min, na cozinha, molhando a bolacha na mistura de leite com café, ouviu seu pai reclamar da cara de sono que provavelmente estampava. Preferiu não dizer que estava acordado desde às 4h, e que, por isso, a cara não poderia ser de sono. Molhou mais uma vez o pedaço que faltava da bolacha e deu por encerrado o café da manhã.

Esperaram Band on the run terminar de tocar na 89, no rádio de pilhas do avô, que insistiam em manter na cozinha, e saíram para mais uma terça-feira aparentemente ensolarada.

***

No carro, Rafael detalhou para os pais as aulas que teria no dia. Falou do texto que deveria entregar na aula de redação, dos vinte reais da camiseta do interclasses e do aniversário do Dalpian que teria no final de semana. Ouviu seu pai reclamar do futebol chato que o São Paulo estava jogando, a propaganda de uma empresa área, no rádio do carro, e as buzinas estressadas que sitiavam os cruzamentos da cidade.

Já na porta da escola, do lado de fora do carro, ouviu seu pai gritar a frase que usava como tchau todos os dias:

- Não se meta em problemas, mocinho!

***

No pátio, esperou o sinal bater conversando com os meninos do 6oE. Eles sempre tinham algum vídeo para mostrar ou alguma piada, que de tão sem graça chegava a ser engraçada. Quando o sinal bateu, subiu maquinalmente, sem prestar atenção ao fato de que ainda não havia visto nenhum colega da sua sala.

***

7h25min. Rafael sentou-se no seu lugar. Desconfiado, via da carteira a movimentação dos alunos das outras turmas no corredor. Na sala, apenas ele. Nem professor, nem os outros alunos. Quando, da porta, alguém lhe gritava alguma coisa, respondia, tentando aparentar normalidade. A tentativa, contudo, era mal sucedida, pois, naquele horário, em dias normais, certamente estaria conversando com os outros meninos na frente da sala, talvez até estivessem em alguma daquelas brincadeiras inventadas na hora que não têm lógica alguma, mas que rendem risadas dias seguidos.

A verdade é que não se sentia confortável em levantar justamente por conta do vazio do ambiente. Talvez até estivesse com medo.

***

Onde estariam os outros meninos? E as meninas? Pior: onde estaria a professora Carol, de Geografia, que daria as duas primeiras aulas?

***

7h30min. Segundo sinal. Início da aula. Melhor: "Início" da aula. Ninguém na sala. Silêncio do lado de fora.

Cris, a inspetora, passou fechando a porta. Ela nunca faz isso. As cortinas escuras movimentavam-se com o vento. Uma lâmpada, que iluminava o fundo da sala começou a piscar.

***

Ninguém chegou. Rafa decidiu continuar sentado.


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⏰ Última atualização: Feb 22, 2016 ⏰

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