O demônio vermelho

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Administrador de uma grande fazenda de café no interior de Minas Gerais, o coronel Antunes precisava adquirir uma nova moedeira para seus negócios. Contudo, esta se encontrava à venda na cidade de Barcarena, no Pará.

Severo ao extremo com seus funcionários e dono de uma intolerância peculiar, Antunes não era bem visto pelas redondezas. Apesar de ninguém o desafiar, poucos se aproximavam do coronel, e na verdade tinham pena de Dona Flora, sua esposa, que sofria maus tratos, mesmo em público.

Com poucos amigos, ninguém se colocou à disposição de acompanhar o coronel até o Pará, e como seu filho estudava há dois anos no Sul do Brasil, a viagem solitária se fez necessária.

Assim que chegou ao aeroporto de Belém, buscou logo um hotel para passar a noite e pegar mais informações sobre a cidade, sabia que logo cedo zarpava a primeira barca rumo à Barcarena. Foi informado que o melhor lugar para ficar era o Hotel Equinócios, que ficava na Vila dos Cabanos.

Chegando à cidade, descobriu que não só o hotel indicado, como todos os outros estavam lotados devido a um evento na região. Ele pretendia resolver a compra da moedeira no mesmo dia, mas Eduardo, o rapaz que negociava o maquinário tinha tido um problema em Manaus e só poderia chegar uns três dias depois.

O coronel não teve muita escolha a não ser ficar pela cidade, e para isso buscou a pousada do seu Chico, que ficava um pouco distante do centro, mais próximo à margem do rio.

O local não era dos melhores, mas ao menos teria comida, água limpa e uma cama para descansar. Poucas pessoas estavam hospedadas, um casal com dois filhos e um rapaz que aguardava uma composição para o Rio de Janeiro. Poucos funcionários trabalhavam na pousada, basicamente familiares do seu Chico, sua esposa e duas filhas, além de dois ou três homens que faziam o trabalho mais pesado.

O jantar era coletivo, os hóspedes comiam juntos na cozinha da casa e depois subiam para seus cômodos. Assim que terminaram a refeição todos se recolheram, mas o coronel chamou Roberto, o rapaz que ia para o Rio de Janeiro, e foram ter uma prosa na varanda tomando um pouco de pinga.

Após um bom tempo de conversa, Roberto se recolheu, pois partiria no dia seguinte. Antunes continuou ali sentado na cadeira de balanço que tinha na varanda, fumando um cigarro de fumo de rolo. Bebeu metade da garrafa de pinga sozinho, tirou as botas para descansar os pés, e após mais um tempo, subiu para o quarto, já embriagado.

Na manhã seguinte, Antunes acordou com uma discussão no salão da pousada. Seu Chico conversava rispidamente com o casal que estava hospedado. Sem entender muito, Antunes desceu e procurou saber o que estava acontecendo.

- Ora, seu coronel, as suas botas amanheceram com os cadarços entrelaçados, minha mulher já fez de um tudo, mas não consegue desatar os malditos dos nós. Isso só pode ter sido obra de um dos meninos que aqui estão hospedados - disse o proprietário da pousada.

No mesmo instante, Joaquim defendeu suas crianças:

- Os meus meninos dormiram comigo, se o homem bebeu igual a um gambá e nem sabe quem fez isso com as botas dele não é um problema meu. Deve ter sido o rapaz que já foi embora, por que seriam os meus garotos?

Antunes não queria saber de confusão, até porque estava sozinho naquelas bandas e não conhecia nada por lá. Pediu que o proprietário da pousada esquecesse o caso, pegou o par de botas e voltou para o quarto.

Ficou admirado com os nós dados nos cadarços. Quem os fez era um bom conhecedor da arte de atar nós, não podia mesmo ter sido um dos meninos, será que Roberto era marinheiro? Porque aquilo era coisa de adulto, não podia ser uma criança. Passou o dia encafifado com aquilo e tentando desatar todos os nós do calçado.

O demônio vermelhoWhere stories live. Discover now