Encarei o banco mais uma vez só para sentir a vontade de gritar de pura irritação voltar ao confirmar que aquele cara ainda estava lá. E já era o terceiro dia!
A primeira vez que o vi não dei muita importância, já que eu tinha acabado de me arrastar para fora da cama e estava a caminho do banheiro do outro lado do quarto. Passei em frente à janela e notei que pela primeira vez desde que eu havia chegado ali tinha alguém sentado no banco de madeira do outro lado da rua, que ficava bem embaixo daquele poste de luz amarela e tinha uma vista perfeita para minha janela. Não dei nenhuma importância. Mesmo que tenha parecido que ele não se mexeu muito quando dirigi de casa para escola e da escola para casa, no fim da tarde.
No segundo dia, ele estava lá de novo - ou ainda - sentado bem no meio do banco, como se não quisesse que outra pessoa se sentasse ali. E ele ficou lá o dia inteiro. Ou pelo menos foi o que pensei, pois quando voltei da escola e subi até o meu quarto para olhar pela janela, ele ainda estava lá. Os cotovelos apoiados nos joelhos, a cabeça acompanhado o movimento quando algumas pessoas passavam caminhando ou dirigindo. Disse a mim mesma - pela milésima vez - que ele não estava me incomodando.
No terceiro dia meu incômodo estava beirando a raiva profunda. Tive que repetir para mim mesma - pelo menos quarenta vezes - que atropelar pessoas não é coisa que se faça e isso parece ter sido a única coisa que me impediu de entrar no carro e acelerar com tudo até o outro lado da rua e deixar o carro bater naquele banco. Com aquele garoto maldito sentado nele.
Pelo menos ele troca de roupa, pensei.
Ele poderia ser um novo vizinho, mas a única casa que eu me lembrava de estar disponível ficava no final da rua e o banco não estava nem no meio dela, já que ficava bem em frente à minha casa, que era uma das primeiras.
Talvez ele tenha algum parentesco com um dos vizinhos. Pensei um pouco nessa possibilidade. Não. Eu conhecia todos os vizinhos há bastante tempo e nunca tinha visto alguém que fosse sequer parecido com o garoto do banco. Ou talvez - e muito provavelmente - ele seja um psicopata.
Eu estava jogada no meu sofá embaixo da janela, tentando elaborar mais algum motivo aceitável que poderia levar alguém a ficar sentado num banco por três dias. A essa altura eu já tinha puxado minha fina cortina branca para cobrir a janela, na tentativa de diminuir o meu incômodo. Abri uma pequena fresta na cortina e espiei lá fora só para constatar que o garoto do banco estava fazendo exatamente a mesma coisa de meia hora atrás: nada.
Fiquei espiando enquanto o garoto relaxava no banco, escorregando um pouco e apoiando o cotovelo no encosto de madeira, ocupando um bom espaço no banco enquanto um velho que morava a duas casas da minha passava. Ele relaxou um pouco mais, como se não quisesse dar espaço para outra pessoa se sentar e ficou assim até o senhor estar a uma boa distância. Depois ele começou a mexer no zíper da jaqueta de couro, subindo e descendo repetidas vezes sem erguer a cabeça, de modo que eu não consegui ver seu rosto. Na verdade, não me lembrava de tê-lo visto erguer a cabeça uma única vez.
Desviei o olhar do garoto para o SUV reluzente do meu pai e fiz uma careta quando ele bateu a porta do carro com mais força do que o necessário e marchou até a porta da frente.
Minha audição sempre foi muito boa. E quando digo "boa" quero dizer que se eu me concentrar um pouco eu posso ouvir quando a porta da frente é aberta, mesmo que a porta do meu quarto esteja fechada. No entanto, dessa vez não precisei da minha super audição para ouvir quando meu pai fechou a porta com força.
- Annelise!
- Merda - resmunguei baixinho, como se ele pudesse me ouvir.
Com certeza eu estava encrencada. Meu pai, um ótimo cirurgião plástico com uma paciência infinita - ou quase - nunca gritava o meu nome. Eu podia contar nos dedos as poucas vezes que ele havia perdido a paciência com quem quer que fosse.
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Os Guerreiros de Antares - Trégua
FantasyAnnelise Boudelaire é apenas mais uma habitante do mundo que conhecemos e seu grau de importância é tão comum quanto para qualquer outra pessoa: ela tem amigos e tem família. No entanto ela acaba por descobrir que toda a sua vida fora estruturada a...