Ela correu de lá para cá, enquanto as roupas e os sapatos iam acumulando-se pelo chão e por cima dos móveis.
Era a primeira vez que iria sair com alguém desde o acidente, e ela estava nervosa. A cicatriz em seu rosto estava bem escondida com a maquiagem, mas ela não parava de olhar no espelho, procurando por ela, aquela marca na pele que significava muito mais do que uma cicatriz.
- E agora mãe? O que é que eu visto?
A mãe suspirou, não sabia o que dizer. A moda mudou tanto desde a sua juventude... Ela ainda lembrava-se daquele primeiro encontro que tivera com seu marido. Num Sarau da Comunidade do local onde os dois moravam antes de os dois mudarem-se para a cidade onde viviam agora.
- Eu não sei filha – a mãe respondeu.
A filha a ignorou como sempre. Afinal suas perguntas, na maioria das vezes eram retóricas.
- O vestido azul é mais alegre. Mas o vestido verde é mais sexy... Ai mãe, alegre ou sexy?
A mãe olhou os dois vestidos com olhar crítico... Na verdade, ela não queria que a filha usasse nenhum deles. Eram reveladores demais. O melhor vestido era aquele cor-de-rosa, com saia até o joelho e decote simples e elegante. Ele era muito mais comportado.
Mas ultimamente sua filha evitava aquele vestido como gato foge de água. Ele sempre estava no fundo do armário. Pelo menos desde o acidente.
- O azul – disse a mãe com um suspiro.
- O azul é bonito, mas não sei se é a mensagem que quero passar. Como é difícil decidir. Queria que a Flávia estivesse aqui. Ela é melhor com essas coisas que nós duas juntas.
- Então veste o cor-de-rosa. Eu adoro aquele vestido.
A filha lançou um olhar de tristeza para o armário, mas chacoalhou a cabeça. Ela não iria vestir aquele vestido.
Depois de quinze minutos, a moça já havia experimentado o vestido azul, o vestido verde, três calças, doze blusas, um short e uma saia.
Mas ela continuava de calcinha e sutiã, sentada na cama com o cabelo bagunçado.
Os olhos começavam a lacrimejar de angústia, pois nada do que vestia a fazia se sentir a vontade ou bonita o suficiente para sair para jantar com o Beto, seu pretendente.
- Filha, não fica assim, qualquer coisa fica bonita em você.
- Eu sempre sou dramática, né mãe?
- Sim, mas eu a amo mesmo assim. O Beto vai gostar de qualquer coisa que você vestir.
- Vamos voltar aos vestidos. Acho que vai ser mais feminino e não tão casual como saia e blusa.
A moça voltou o olhar para o roupeiro. Será que ela teria coragem de vestir o vestido cor-de-rosa?
Inspirando fundo ela abriu a porta e retirou uma das últimas peças que estavam no armário e não no chão.
Colocou o vestido rosa, calçou suas sandálias favoritas, com cristais. E olhou-se no espelho.
- Você está linda, minha filha – falou a mãe com emoção.
- Acho que estou bonita – murmurou a filha enquanto soltava os cabelos daquele "resto" de penteado e os deixava cair soltos em ondas sobre os ombros.
A campainha tocou.
- É tenho que ir.
- Boa sorte, minha filha, vai com Deus.
A filha baixou-se. Pegou o porta-retratos onde via sua mãe sorridente e beijou a foto dizendo:
- Sinto sua falta, mamãe. Deseje-me sorte.
A mãe continuava lhe sorrindo.
Fazia sete meses desde o acidente de carro que lhe dera a cicatriz no rosto e que tirou a vida de sua mãe. Mas, às vezes, era como se ela ainda ouvisse a voz e os conselhos que sua mãe lhe dava.
O vestido rosa havia sido o último presente que a filha recebeu dela. E era a primeira vez que o usaria.
Ela deu mais um beijo na foto de sua mãe. E saiu em direção à porta. Este era o primeiro passo de uma nova vida. Esperava que sua mãe estivesse feliz, onde quer que ela estivesse.
Antes de fechar a porta, a filha pensou ouvir em seu coração:
- É claro que estou feliz, minha menina, a tua felicidade é a minha.
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