A chuva ainda cai lá fora. O seu som a bater contra o telhado de casa é inconfundível. Estou a estudar à pelo menos quatro horas sem parar, sempre com a suave melodia da chuva a acompanhar-me. Durante estas quatro horas consegui finalmente compreender a matéria atrasada, tal como a nova que ainda consegui tomar nota dos aspetos importantes durante a aula que fui na semana passada. Agora chegou a minha hora de descansar depois de tantas horas de estudo e de tanto escrever no meu caderno de apontamentos.
Empurro a cadeira, onde ainda me encontro sentada, até à janela do meu quarto. Enrosco-me na manta que antes me cobria as pernas e observo a chuva a cair das nuvens e a cair no alcatrão da estrada. Sendo esta cidade pequena, são poucos os carros que passam nesta rua, dando uma sensação de estar numa cidade fantasma, onde apenas o vento e a chuva circulam pelas ruas.
As luzes dos candeeiros da rua estão acesas podendo, assim, observar melhor as gotas de chuva a caírem sobre a terra. Eu gosto de observar tudo o que me rodeia, não poderei perder qualquer pormenor que a natureza fornece a mim e ao mundo inteiro. Seria um desperdício ignorar a beleza que a natureza nos fornece, mas a maior parte das pessoas são assim. A maior parte das pessoas prefere ficar a olhar para um ecrã de um computador em vez de aproveitar a vida ao ar livre. E isso é um dos maiores defeitos da população mundial.
A clareira, onde a cascata que tanto adoro se encontra, poderia estar todos os dias lotada por todas as gerações de pessoas que vivem nesta cidade, mas o medo vindo pela população mais velha mais a preguiça da população mais jovem impede que tal aconteça. Talvez isso seja o melhor. Apenas duas pessoas a frequentar aquele lugar. Preserva-se mais aquele espaço do que com "lotação esgotada". Talvez seja melhor não me queixar da preguiça e dos vícios da minha geração, pois esses são ações que agradeço que existam para eu poder ficar sozinha naquela clareira. Talvez seja melhor eu apenas ficar agradecida por aquilo que tenho em vez de criticar.
A chuva para de cair das nuvens e levanto-me finalmente da cadeira onde passei as últimas quatro horas sentada. Dobro a manta que antes me cobria e coloco-a em cima da cama. Retiro um casaco um pouco quente do armário e calço as minhas únicas botas. Pego numa mochila onde coloco as chaves de casa, o meu telemóvel e uma manta velha que encontrei ontem no meu armário.
Desço as escadas e vou de encontro à minha mãe que se encontra na sala a assistir um filme que se encontra a passar na televisão. Aproximo-me um pouco mais do sofá onde ela se encontra sentada e chamo-a para ela reparar na minha presença. Assim que a sua cabeça vira na minha direção um sorriso aparece na sua face e de seguida desliga o som da televisão.
-Mãe, eu vou sair.- afirmo e rapidamente a sua expressão muda.
-Onde pensas que vais com esta chuva?
-Dar uma volta, explorar um pouco mais esta cidade.- minto e a minha mãe suspira, sabendo que não poderá fazer nada que me impedirá de concretizar esta minha viagem.
-Não chegues tarde a casa e por favor leva um guarda-chuva.- diz e volta a olhar para o ecrã da televisão.
Retiro-me da sala após ouvir suas palavras. Pego no meu guarda-chuva que se encontra ao pé da porta principal e saio. Ficar fechada em casa o dia inteiro resultou na falta de ar fresco que eu tanto preciso no meu dia-a-dia e este vento incrível a levantar os meus cabelos e a invadir cada pedaço do meu corpo é algo que necessitava.
Começo o meu caminho em direção à floresta. O passeio por onde caminho encontra-se com algumas poças e a criança interior presente em mim aparece e obriga-me a saltar nestas, tal como fazia quando tinha seis anos. Já sinto os meus pés molhados, pois as minhas botas não são as tão adoradas galochas, mas não me importo com isso. Por vezes ter estes momentos infantis por algum tempo compensa qualquer outra consequência.
Assim que avisto as tão altas árvores daquela floresta apresso o meu passo e vou floresta a dentro sem nunca parar de correr. Não foi preciso seguir as indicações nas árvores, após estes dois anos de vir sempre para aqui o caminho até ao meu refúgio já foi decorado. Tento não cair na lama que a chuva formou, algo um pouco difícil de cumprir pois ia caindo três vezes antes de chegar até aquele tão adorado refúgio. O cheiro de relva molhada é a primeira coisa que noto. Inspiro profundamente este cheiro e apenas passados vários segundos é que expiro. Sinto-me livre, embora esta liberdade fosse apenas por alguns minutos ou até algumas horas.
Retiro a manta velha da minha mochila, colocando-a sobre a relva um pouco perto do pequeno lago ao pé da cascata. Sento-me nesta,coloco a mochila, antes encontrada sobre os meus ombros, ao meu lado e apenas observo a cascata. O que ela esconderá por de trás da sua maravilhosidade? Eis uma pergunta que deveria perguntar-me todos os dias. Será que esconde uma gruta, tal como em todos os filmes de Hollywood? A mais provável resposta é não, mas sem procurar respostas como saberemos? Se tivesse coragem suficiente talvez me atreveria a ver se esta cascata esconde algum segredo, mas até agora essa coragem não apareceu e até ela aparecer a resposta para este enigma irá continuar a ser um mistério para mim.
Um barulho vindo de trás de mim faz com que eu me vire bruscamente, fazendo com que uma leve dor no pescoço se forme. Ignoro-a e olho para o rapaz que nestes últimos dias tem sido uma companhia para mim a observar esta linda paisagem. Sorrio levemente ao vê-lo e este retribui tal sorriso. Olho de novo para a cascata enquanto ele se senta ao meu lado sobre a relva molhada.
Nenhum de nós prenunciou uma palavra. Ambos olhamos para a cascata e observamos a maravilhosa beleza que a natureza forneceu a esta cidade. Mas, por mais que tente pensar em algo mais, uma pergunta ecoa pela minha cabeça. Como ele encontrou este lugar? Apenas eu sabia desta tão preciosa escapatória da humanidade, mas ele encontrou este sítio. Ele poderá ter encontrado este lugar da mesma maneira que eu, explorando, mas os mitos que as pessoas inventaram poderiam ter-lhe provocado medo tal como fez com o resto da população que vive nesta cidade. Talvez lhe deva perguntar, afinal eu não irei conseguir apagar esta pergunta da minha cabeça tão facilmente.
-Como encontraste este lugar?- perguntei e de seguida olho na sua direção. Este olha para mim com um sorriso e reparo na pequena cova a aparecer na sua bochecha direita.
-Apenas decidi explorar. Sou novo na cidade e eu queria procurar um lugar para relaxar, foi durante essa busca que encontrei este lugar. E também foi nesse dia que nos vimos pela primeira vez.
Permaneci em silêncio após a sua resposta. Tal como eu, ele apenas quer relaxar num sitio longe de tudo e todos. Devo admitir que este lugar é o melhor para fazer tal coisa. Talvez seja essa a razão de eu o encontrar todas as vezes que aqui venho. Ambos queremos relaxar.
Sinto algumas gotas a caírem sobre mim e rapidamente me levanto da manta. Se pudesse ficaria aqui embora estivesse a chover, mas eu não quero ficar constipada. Se ficasse iria levar um sermão vindo pela minha mãe onde as palavras "eu avisei-te" iriam ser repetidas milhares de vezes.
Rapidamente arrumo as minhas coisas na mochila e abro o guarda-chuva que trouxe comigo. A chuva aumentou de intensidade e agora também Harry se levantou do chão e resguardou-se de baixo do seu guarda-chuva.
Fomos os dois juntos o caminho inteiro até à saída da floresta. Apenas o som das gotas de chuva a embater contra os nossos chapéus foi soada e ouvido por nós os dois. E quando finalmente chegamos ao fim da floresta as palavras "até outro dia" foram libertadas por nós ambos.
Seguimos caminhos diferentes, ele foi pela esquerda enquanto eu continuei em frente, em direção a casa, onde sei que a minha mãe está presente a com a lareira acesa para aquecer a tão fria sala onde passa todas as tardes.