─ Por que fez isso com isso eles?- quis saber o cachorro.
O velho pensou um pouco e não deu nenhuma resposta conclusiva. Limitou-se a emitir um som como de um profundo suspiro.
─ Eles nunca conseguiriam escapar daquele labirinto do Jardim das Expectativas. A melhor chance que terão de sair ilesos é o contato com as feiticeiras gêmeas. Elas... bom... como pai não posso ofendê-las, mas não fariam mal algum a pessoas inocentes, são boas mulheres.
─ Francamente meu velho amigo, acho que o seu amor por elas fala mais alto que a razão.
A fria noite fazia com que o corpo dos jovens se tornassem tão rígidos como as pedras. Inconscientes, estavam estirados perto de uma caverna escura e terrivelmente assustadora. Nenhum ser vivo andava naquela névoa.
─ Vamos minha irmã - apressava Malina, a mulher de cabelos castanhos.
─ Já vou, não espera encontrar os ingredientes sem mim?! - parecia desafiar Belinda que usava vestes azuis e cabelos pretos.
As moças cantarolavam melodias que aos ouvidos mais desatentos parecia a mais grave profanação já expressada.
"Com teus lindos olhos castanhos, sua alma nos deu muitos ganhos"
─ Você não sabe cantar da forma certa, irmã! - ralhou Malina. ─ Eu já lhe disse que o verso é ... - Ela parou de falar e apressadamente deteve a irmã segurando o seu ombro. ─ Olhe lá, pareccem homens caídos ao relento.
─ Não pode ser?! Há anos que ninguém aparece aqui. Desde aquele terrível dia - disse Belinda pesarosa com os olhos lacrimejando. ─ Vamos ver se ainda estão vivos.
─ Com mortos não há como se fazer poções e encantamentos.
Elas foram na direção de Pérgamo e Amadeus. Belinda que parecia mais preocupada com a saúde deles examinou seus olhos e constatou que estavam sob o efeito da névoa e perdidos no sentimento que os poucos moradores dali apelidaram de Jardim das expectativas.
Elas os arrastavam pelo terreno acidentado e os solavancos que as cabeças iam dando sobre as pedras deixava claro que acordariam com hematomas. Chegando ao interior da caverna, os depositaram perto da lareira onde um imenso caldeirão cozinhava algo que parecia ser carne de lebre e batatas. Um fole se movia sozinho e mantinha as chamas sempre altas.
─ Eles estão sob o efeito da névoa - disse Belinda.
─ Pouco me importa, irmã. Apenas quero saber o que eles trazem consigo. Olhe essa bolsa deste magricela aqui - disse pegando na bolsa de Pérgamo ─ Vejamos - disse ela abrindo a bolsa. ─ Um livro de capa azul... Porcaria, todo em branco. - atirou o livro de Berna bem próximo ao fogo ─ Um pedaço de rocha - tateou sem tirar o pedaço de estrela de dentro da bolsa. ─ Devem ser andarilhos ou monges, esses hábitos não me enganam.
─ Deixe de ser tão má, me traga um pouco de poção do despertar. - Belinda olhava com afeição para Pérgamo, nunca pudera ver um rapaz daquela idade por ali antes disso.
─ Você como sempre se preocupando com esses tolos que aparecem por aqui. Não se engane - avisou Malina. ─ Temos que pô-los diante do oráculo da verdade.
─ Como quiser irmã. Se apresse antes que eles morram. Isso seria muito triste! - disse passando a mão pelo rosto de Pérgamo que parecia estar sonhando com algo bom, pois esboçara um sorriso.
***
─ Mas isso é um absurdo - protestou Victor diante a corte de Estho. ─ Sou tão nobre quanto vocês. E querem me conceder um reles título de barão da baía das Madressilvas? Completamente patético. - disse em tom esnobe.
─ Rum, rum - pigarreou Melissa. ─ Claro que o jovem príncipe do Vale gostaria de ser duque como vossa alteza. Sei das habilidades dele com as finanças. Proponho que seja confiado a ele um cargo no tesouro da coroa. E como tal terá título de visconde. - disse para o conselho que estava reunido no meio do salão do castelo de Almada. Lar de Verana.
Victor olhou assustado para Melissa. Como ele poderia ser um simples visconde se outrora fora quase rei? Além do mais, ele sabia que finanças não era sua habilidade principal. Fora criado para aproveitar os serviços dos outros e não para servir. Como poderia agora trabalhar para manter o título?
O impasse estava posto já que a nobreza de Estho não cederia a um desconhecido um cargo tão importante. Da alta nobreza aos barões do interior, todos resmungavam da soberba daquele jovem príncipe.
─ Eu tenho uma proposta - disse um homem de voz grave. ─ Um casamento com alguém que seja da sua estirpe. As leis de Estho permitem que nobres estrangeiros pertençam à corte se for provado a sua lealdade. Gostaria de lembrar a vocês que o príncipe Victor foi quem permitiu a entrada de nosso exército contra aquele bastardo Esseno. Tivemos um grande lucro com os espólios de guerra e... Nada mais justo que ele faça parte da corte.
O silêncio foi geral, algumas moças se entreolhavam e com contra gosto forçavam um sorriso amarelo.
─ Aqui em Estho há muitas princesas, mas devo avisá-lo que nem todas são tão prendadas quanto Morgana. Com suas habilidades e com a posição dela, poderão quem sabe ser um dia os soberanos de Estho.
Um grande murmúrio se fez, alguns diziam "Ultraje" outros "Inconsequente!"
Victor não sabia, mas quem estava falando era o terceiro nome da sucessão do trono, Duque da baía das Madressilvas. A sua oposição aos sobrinhos, Verana e Demetrius, era de conhecimento de toda a corte.
Além dessa tamanha intriga familiar, Victor temia a aparência de Morgana, mas já sabia que esse seria um dos menores dos seus problemas.
─ Venha aqui, minha querida - chamou o duque.
Uma moça magra e de olhos meio acinzentados, cabelos ondulados e tez muito aprazível veio se aproximando com extrema delicadeza. Seu vestido perolado parecia o de uma noiva, não fosse o fato de que tinha uma echarpe vermelha que dava um toque de calor ao opaco de suas vestes. Ela olhou para ele, seus olhares se encontraram, mas ele só conseguiu dar um leve sorriso.
─ Ele aceita! - disse Melissa tirando Victor do estado absorto.
─ Aceito?! - ele olhava sem saber como reagir. Deu um sorriso amarelo e completou ─ Formidável!
O casamento iria ocorrer dentro de duas semanas e Victor passaria a viver no castelo da baía das Madressilvas. Existiam muitas questões rondando o pensamento dele. Como por exemplo, o fato daquela proposta parecer tão formidável quando todos queriam que ele não fosse nomeado um simples visconde.
No castelo de Almada, lar de Verana, Victor desfruta de muitas regalias. Podia andar livremente, mas sempre acompanhado de guardas para que ficasse livre da fúria de algum pretendente de Morgana, que pareciam brotar pelas paredes.
Depois do jantar daquela noite, ele estava na varanda de seu quarto quando a senhora Melissa adentrou pressurosa com um contrato em suas mãos.
─ Temos que conversar sobre algo muito importante - denotava grande ansiedade nas palavras.
─ O que pode ser tão ruim assim para que você entre nos meus aposentos como se eu fosse um igual?
─ Perdão, meu príncipe. Mas, é algo muito importante que devo lhe dizer. O seu futuro sogro tem dívidas com a coroa. E quando eu digo dívidas, eu tenho que avisá-lo que são muitas dívidas. Calculo que seja um montante igual a trinta e cinco por cento de toda sua fortuna. - disse fazendo uma cara de extrema preocupação.
─ Maravilha! - irou-se atirando a jarra de vinho que estava sobre a mesa. ─ Sabe o trabalho que eu tive para arrancar esse ouro das mãos daqueles nobres de Ventura? Quase morri para agora ter que dividir toda esta quantia com eles. - sua face estava vermelha como escarlate.
─ O contrato de casamento diz que você terá que honrar as contas de sua esposa, e consequentemente as do seu sogro. Creio que seja o preço para manter o seu título e um vislumbre de algum dia retornar para o Vale Almíscar.
─ Se você continuar sendo tão negligente com meu dinheiro como agora o fez, terei que mandar cortar a sua cabeça fora, tia Melissa.
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O sonhador, a velha árvore e o rei
FantasyVentura é uma pequena cidade no Vale Almíscar, um lugar onde muitas coisas podem acontecer dependendo de sua crença. Esseno era um jovem rei e isso era um peso demasiado para sua consciência. Nesse reino não tão distante assim, uma velha árvore míst...