Ela estava sentada com o laptop no colo. Suas pernas imitavam uma posição de medição, ainda que nesse momento ela não estivesse se dedicando à tal atividade. Os olhos estavam atentos, olhando fixamente para a tela iluminada e seus dedos digitavam furiosamente. Parecia empolgada com alguma conversa ou qualquer outra coisa que acompanhava no meio virtual.
Essa jovem parecia estar se divertindo bastante com a atividade de ler coisas em um site. Seus olhos não olhavam para outra direção que não a do universo além do monitor. Então parou um pouco de digitar. Continuou lendo alguma coisa na tela e usou uma das mãos para mexer no cabelo. Um cacho seu havia saído do lugar e caíra na frente da testa. Talvez ele tenha atrapalhado um pouco sua leitura, mas a garota estava tão concentrada que nem se deu conta. Daí, apenas a mão se moveu mecanicamente para afastar o problema da frente dos olhos.
Um tempo depois ela se cansou da posição em que estava. Deixou o corpo cair para o lado e ficou apoiando o próprio peso no braço direito. Essa nova posição era muito ruim para a sua coluna, mas a jovem de camisa quadriculada continuou concentrada no universo da tela e continuou sem se preocupar com mais nada além disso.
Pouco depois, deu um suspiro profundo. Sem motivo aparente, apenas movida pela necessidade de deixar uma quantidade maior de ar entrar e sair pelos pulmões. O som ressoou em todo o pequeno quarto onde se encontrava, mas nada significava.
Ao lado da jovem, estava deitado o gato magricelo que criava. Ele dormia tranquilamente e não parecia estar nem ao menos sonhando. Respirava silenciosamente, sempre no mesmo ritmo preguiçoso. Estava deitado abraçando as próprias pernas, uma fofurinha. Mas até mesmo essa criatura esbanjante de fofura não era o suficiente para atrair a atenção da menina de cabelos cacheados e camisa quadriculada. Ela continuava olhando fixamente para a pequena tela que, teoricamente, lhe revelava o mundo.
Então, alguns pingos começaram a cair no telhado, um após outro, juntos emitindo um barulho constante de gotejar. Começava a chover; chuva essa que aos poucos ia engrossando. Mesmo assim, a jovem com seu computador não conseguiam se desgrudarem um do outro.
E o gotejar trouxe ruídos ainda mais fortes. Primeiro um clarão e então o barulho estrondoso e relâmpagos. Era uma tempestade que se formava, uma bela e perigosa tempestade. O barulho fez o gato acordar, se levantar e se espreguiçar. Depois ele resolveu dar uma saída do quarto. A garota de cabelos cacheados não percebeu nada disso. Estava digitando alguma coisa no teclado e sorria com alguma piadinha da rede.
O animal magricelo não demorou muito para voltar. Pouco tempo depois, tempo esse que a garota também não se deu conta, o gato entrava novamente no quarto, trazendo no pescoço um medalhão, que fora da mãe da garota quando ainda estava viva. Ele se sentou silenciosamente e ali permaneceu. Ficou na mesma posição por um longo período, mas a menina que digitava rapidamente não teve tempo de olhar para seu animal de estimação e se perguntar o que ele poderia estar querendo.
O gatinho finalmente cortou o silêncio emitindo um miado. Por um instante a garota parou de encarar a tela e virou para o gato. Olhou-o mas não viu direito, pois sua mente ainda estava fixa no mundo virtual onde batia papo. Perguntou "que foi gatinho?", mas ele obviamente não respondeu nada. Então ela tentou lembrar rapidamente se ele já havia comido e se deu conta que sim e que vasilha de ração ainda estava cheia. Depois pensou em água, mas havia trocado há pouco. Areia , talvez? Não, ela havia limpado antes de ir para o computador. O gato não precisava de nada, ela podia voltar para sua atividade sem se preocupar com nada. E foi o que continuou fazendo.
O gato, descontente, foi até ela, tentando chamar atenção esfregando-se em seu braço. Sem desviar o olhar, ela entendeu como se o bichano pedisse carinho, e fez um caricia automática na cabeça do felino. Ele gostou, apesar de não ter sido essa a intenção original.
Então um último clarão se formou do lado de fora. Depois dele, outro grande estrondo ressoou no quarto. O gatinho parou de receber carilho e saiu correndo, o que nada representou para a garota de camisa quadriculada e cabelos cacheados. A chuva estava parando aos poucos.
O animal, que odiava ter que se molhar, havia ido até a rua onde uma silhueta estava de pé, sem se importar com a tempestade que ia estiando aos poucos. O gato andou até essa pessoa, uma mulher que usava um vestido branco e os cabelos soltos. Se enroscou por suas pernas e recebeu carícias em troca. Então ela tirou do pescoço do animal o medalhão e pensou com tristeza: "Parece que essa tempestade também já vai acabar e com ela o meu tempo aqui... é uma pena que você não conseguiu atrair a atenção dela...". O animal, ronronou e então miou alto.
A mulher e seu medalhão sumiram antes da última gota de água alcançar o solo.
Pouco depois o gatinho voltou para dentro. No quarto, a garota continuava digitando sem parar, nem ao menos percebeu o animal deitar na cama com os pelos molhados.
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Desatenção
Short StoryBreve conto sobre um evento que pode ser banal ou fantástico.