Desci as escadas da enorme casa um pouco receosa, a família como sempre tomava o café da manhã todos na mesa, lindos e reunidos. Esses últimos dias tenho falado tanto "lindo" que já está me dando náusea de tanto repetir a mesma coisa. Cheguei lentamente na cozinha parando atrás da porta pra ouvir um pouco do que estavam falando.
- Você acha? Eu não percebi nada esses últimos dias! - essa era a voz de Cath.
- Claro que não, você está muito ocupada pra perceber que há algo de errado com a sua MELHOR AMIGA! - Teddy gritou me assustando um pouco.
- Gente eu acho melhor vocês pararem, daqui a pouco ela está chegando aí e vai querer uma explicação - claro que eu não vou querer uma explicação, não estou podendo exigir nada nesses últimos dias.
- Bom dia família!!!! - preciso ressaltar que os olhares daquela família se perderam por meu corpo, cabelo, maquiagem, entre outras coisas? Não, vocês já devem ser inteligente o suficiente pra capturar as coisas sem que eu precise ressaltar o óbvio.
- What the fuck?! - minha amiga exclamou enquanto o resto não conseguia mexer um músculo facial.
- Pequenas mudanças, não liguem pra isso - tentei evitar o clima pesado que pairou no ar.
- Tamires... O que aconteceu? - Sr. Richardson tentava engolir o suco sem se engasgar, se fosse em outra situação eu estaria rolando de rir, mas agora não é momento pra risadas.
- Resolvi evoluir um pouco, vocês sabem, né? Mudanças são sempre bem vindas e não faz mal a ninguém.
- Tata... VOCÊ TA MUITO GATA! - o loiro disse provocando gargalhadas pela cozinha, às vezes eu agradeço muito a Deus por ser tão detalhista, se não eu nunca iria perceber que Sra. Richardson não riu, apenas me encarou séria de um jeito meio maternal. Bebericava o suco de morango enquanto ouvia Cath falar que adorou meus cabelos alisados, mas que ainda prefere os cachos, Teddy falava de cinco em cinco minutos como eu estava gata e o Sr/tio/pai (como preferirem) Richardson só ria de tudo. Tia Rosa levantou da mesa com um aceno de cabeça pra que eu a seguisse, consenti.
- Ok, no começo eu não acreditei ou melhor fingi que não era o que eu estava pensando que era, os dias passaram e eu tenho percebido que a Tamires alegre, feliz e disposta que chegou aqui está bem diferente, tudo bem mesmo assim, mas uma vez fingi que não vi. Eu estou cansada de você repetindo o tempo todo que está tudo bem, NÃO! Não está tudo bem e eu não vou deixar essa palhaçada seguir adiante, por tanto... Eu quero saber o que está acontecendo na MINHA casa? - passei os dedos pelo rosto enxugando duas lágrimas teimosas que insistiam em cair, me vi ali naquele momento totalmente sem chão, eu não quero ser um peso na casa dos outros, eu não posso continuar com essa palhaçada de que alguma coisa está acontecendo e, eu não posso voltar atrás a merda já está feita, perdi meus cachos, meu rosto angelical, Deus o que eu estou fazendo comigo?! Olhei para Sra. Richardson e um nó se formou em minha garganta, meu rosto já estava quente e coberto por grossas lágrimas, agora eu só queria um abraço da minha mãe repetindo pra mim que estava tudo bem, que eu tinha com quem contar. Em momento algum eu disse que não podia contar com as meninas, eu quero apenas um carinho materno, não adianta lutar contra isso e bater no peito dizendo que já é adolescente, querida, você pode ser até adulta, mas no colo da sua mãe você sempre será a menininha desprotegida e insegura.
- Eu não sei - respondi com a voz embargada pelo choro, Sra. Richardson bufou.
- Vamos lá Tamires, não me venha com essa história de que não sabe, anda quero saber!
- Eu beijei o Teddy! - levantei meus olhos ainda insegura me deparando com uma mulher pasma a minha frente.
- Olha dentro dos meus olhos e me diga que foi só um beijo... - suspirou.
- Sim, apenas um beijo, não passou disso - respondi aliviada por dividir esse peso com alguém.
- Você gostou? - minha tia, que agora eu já nem sei mais se chamo de Sr ou tia mesmo, indagou.
- NÃO! Quer dizer, ele é meu irmão.
- Não é só isso - argh que droga! - mas se você não quer contar, não vou te pressionar.
- É só isso tia! - exclamei fazendo careta assim que ouvi o quão aguda minha voz saiu.
- Seus olhos não mentem, tata! - e com essas últimas palavras, sumiu do meu campo de visão.
O carro estava em total silêncio, mas pelo contrário isso não estava me irritando. Meus olhos vagavam pelas ruas, casas e prédios que eram deixados para trás. Catherine não quis ir no banco de carona, preferiu ficar atrás comigo apertando de dois em dois minutos minha mão que estava entrelaçada na sua e sorrindo para mim. Caminhávamos em passos firmes para a entrada da escola, nesse pouco tempo que estou aqui os meninos só repararam em mim no primeiro dia de aula, mas hoje em especial todos eles prenderam os olhares em mim desde o momento em que desci do carro, até a entrada do colégio e isso inclui meninas - sim meninas - e qual é a única coisa que a vaca aqui sabe fazer? IGNORAR! Também eu queria o que? Fazer uma mudança e pedir para ninguém reparar? Patético!
Pode até ser meio bobo, mas eu odeio ser o centro das atenções, principalmente na High School. Quando vim para a escola, minha mãe me disse que as pessoas estariam ocupadas demais para prestar atenção na minha vida, ops mãe! Vou anotar no caderninho que não foi dessa vez. Mas o que posso fazer se sou apenas a caipira do Brasil que deu sorte na vida?
- Amiga você ouviu alguma coisa que eu falei? - na verdade, eu nem sabia que você estava falando!
- Ham... Sim... Ér.. Ouvi! - gargalhou.
- Ignorando suas mentiras esfarrapadas, tenho que te falar uma coisa... - preocupei-me.
- Você tá grávida? Quem é o pai? Tem certeza que não foi estrupo? - disparei nervosa, Cath apenas riu.
- Não, para de falar! Minha flor... - "minha flor"? Isso não está me cheirando boa coisa - mesmo eu não sendo brasileira, você sabe que eu adoro aquele país, né? Tata, não pense que você é apenas uma caipira que deu sorte, você é mais do que isso. Você é a menina que lutou pelos seus sonhos e chegou no seu ponto principal, você é a menina que é foda o suficiente em tudo que faz e chega ser até nerd as vezes, você é a menina que eu amo e que eu não quero perder pro mundo da rebeldia. Você ficou linda assim, mas não quero que faça isso só porque acha que não está no padrão de beleza das britânicas. Querida, nem eu estou, eu sou da Austrália Tata, e de verdade tenho uma saudade do caralho do Brasil, daqueles homens bonitos e fortes, na boa gatinha, aqui só tem gente magra. Cadê os músculos desses homens??! - gargalhei, por mais que Cath tenha virado uma grande amiga desde que se mudou para o Brasil, nunca irei me acostumar com a minha menina falando palavras de baixo calão. Caminhei até a sala em passos leves e lentos como se tivesse medo de afundar o chão, Cath já estava a minha frente impaciente com a minha lentidão, a menina bufava de cinco em cinco segundos me fazendo reprimir uma gargalhada.
- AMIGAS!!!!!!!!!! - ataque Martins! - tem como você encher meu copo lá em baixo, porque com essa moleza você não entra na sala hoje.
- Bom dia pra você também educação!
- Esse mau humor todo é falta de sexo? - preciso dizer que fiquei roxa, azul, verde, vermelha, branca, laranja e etc? ...
-Jessica !
- Quê?
- Menos né?
- Ah ta bom Tata, mas sexo é a coisa mais normal do mundo! - rolou os olhos, bufei pegando seu copo e descendo novamente em direção ao bebedouro. Estava entretida em pensamentos quando uma pequena aglomeração de garotos me chamou atenção, pensei em voltar quando vi a cabeleira ruiva no meio daquela muvuca, mas se eu voltar com esse copo vazio, Jessy é capaz de me fazer engolir o copo inteiro.
- Hey, novata! - fingi não ouvir o que o menino tinha falado e continuei caminhando (lê-se : correndo) em direção ao bebedouro.
- Tamires... Vem aqui! - como eu tive capacidade de duvidar que um atleta poderia me alcançar facilmente? Claro leitor, o cara tem dois metros de pernas.
- Que é?
- Eita marrentinha, mau humor reina, não? - ironizou.
- Que intimidade é essa pra me chamar de "marrentinha"? Amadureça.
- Nossa Tata! - deu ênfase no meu apelido - só queria te apresentar uns amigos.
- Não gosto de me misturar com pessoas da sua laia, o engraçado é que você e as "mamãe quero ser puta" são farinhas do mesmo saco né? - um ponto pra mim!!!!!
- Você não me conhece pra falar o que não sabe, não me compare aquelas putinhas.
- Comeu, gostou, enjôo e jogou fora? Palmas pra você, já mostrou o quanto é sujo e canalha? Agora se manda daqui - nunca senti tanta firmeza em minha voz, James já soava de tanta raiva, na boa, o cara se controlava pra não avançar em mim!
Assim que o menino contornou seu caminho de volta para a aglomeração de meninos fúteis e medíocres, virei-me me sentindo o máximo por dar um fora no ruivinho sem graça, mas como tudo que é bom dura pouco, lá estava quem eu menos queria ver hoje.
Guilherme.
Seus globos azuis me encaravam intensamente, prestando atenção em casa movimento meu. Apesar de sua feição séria, percebi que um pequeno sorrisinho torto queria pintar no cantinho de sua boca. Seus olhos me analisaram da cabeça aos pés parando em minhas pernas... E sim, o sorriso safado logo se manifestou em seu rosto.
- Bela mudança, mas seus cabelos cacheados te deixavam mais natural, sabe? Brasileira! - se manifestou.
- Você não tem que opinar em nada! - rebati.
- Vejo que alguém está de mau humor, sou a terceira pessoa que te fala isso hoje, estou certo Nascimento?
- Garoto você fica me espionando? Não tem nada de bom pra fazer não?
- Nascimento... O problema é que você fala demais - riu pelo nariz - larga de ser emburrada jamais vou perder meu tempo te espionando garota! - bipolar do caralho!
- Não boto minha mão no fogo por você não - dei as costas. Mas antes pude ouvir dizer:
- E em outro lugar você bota? - não me dei o trabalho de responder e sai daquele lugar as pressas, enchi o copo e subi correndo as escadas tombando em alguns degraus.
- Menina que demora!
- O QUE VOCÊ FEZ NO CABELO? O QUE ACONTECEU COM SUA MAQUIAGEM????!
- Lorenna... Se controla amiga, estamos na sala de aula - Cath tentava controlar Lory e seus escândalos (exageros) de sempre.
- Ah na boa, eu gostei. Ficou com um ar mais radical, boa escolha Tata! - por isso que já estou adorando a Jessy, sempre concordando com as coisas que eu faço. Sentei-me do seu lado começando a anotar o que estava na lousa enquanto torcia pra que a hora passasse logo, coisa que não aconteceu...
- Só preciso de comida, apenas isso e mais nada..
- Concordo com você Jessy!
- Amiga pela primeira vez na vida, tenho que concordar com você! - e o que Lory recebeu em troca? Um dedo nada amigável de Jessica.
- Ok gente, chega de gracinhas! É impressão minha ou o Guilherme está vindo em nossa direção? - virei-me para olhar e me arrependi segundos depois, Guilherme me encarava com uma feição indecifrável, sussurrando em meu ouvido :
- Você tem um tempo pra mim, Nascimento? Precisamos conversar! - gelei na hora quase vomitando o que eu nem tinha comido.