- O que houve?
Nino pensava alto, algumas pessoas achavam que ele conversava sozinho, mas era porque ele não conseguia só pensar, sua insegurança o forçava a expressar, mesmo que com resmungos, seus pensamentos.
A sombra ainda estava se alimentando, os barulhos de dentes garfando a carne de seus pais não o deixava refletir, mas já tinha idade para saber que pânico não era a melhor estratégia de sobrevivência, se seu medo do mundo dos adultos já o deixava silencioso, com aquele carnívoro não seria diferente. Buscou então se esconder, e enquanto isso se usava de superstição para se convencer que estava apenas em um pesadelo, mas o prospecto de sonambular no meio da rua era um pedaço de iluminismo que o incomodava.
O barulho cessou, Nino já estava no armário da cozinha, pensando em fugir da sua casa, mas os passos estavam próximos das escadas, ele podia ouvir o escuro subindo ao seu quarto, onde seu pequeno irmão, ainda bebê, estava finalmente dormindo.
Seu pequeno irmão o ajudava a permanecer acordado à noite, talvez o grande responsável pelo seu desejo de fugir para passeatas noturnas, já que os pais nunca se deram o trabalho de colocar o sonoro despertador em um quarto próprio, mas o mundo dos adultos é sempre fechado por impossibilidades econômicas.
Nino sabia que não era herói, por mais que os filmes, os livros, as revistas dissessem o contrário, não esperava enfrentar o escuro e vencer, mas não podia fazer nada pelo seu irmão. Talvez até fosse sua oportunidade de salvar-se, mas o pensamento positivamente cruel ainda lhe soava sujo para seu pequeno sentido moral.
Depois das grandes reflexões que passavam sua mente, ficou com o "Dos males o menor" sussurrou, correndo para a porta da saída da casa, o descuido desesperado o fez trombar na mesa, "droga" como sempre pensando alto.
O Escuro não parou, encarou Nino da escada, ele dominava a situação. Nino simplesmente caminhou à porta olhando para a figura, fugiu.
A porta abriu, aquela era a morte do irmão, mas Nino não era herói. A rua era negra, e Nino caminhou, ouvindo o irmão chorar pela última vez.