Capítulo 1 - A carta

31 3 1
                                    

Na minha casa há um retrato de família sobre a lareira. Não é algo que as pessoas admirem, na verdade perturba-as a ideia de um casal que só tem filhas. Os meus pais nunca se mostraram importados, eu admiro-os por isso mas para ser honesta a minha mãe sempre quis ter um filho, quem não quer? Um filho lutador é o sonho de qualquer casal. É por isso que o meu nome é Ryan, os meus pais estavam com esperanças de ter um rapaz pela primeira vez, infelizmente, tiveram uma outra menina, mas eles mantiveram o nome. Hoje em dia, nascer mulher é um erro, um pesadelo. Somos como escravas ou criadas. Eu tenho sorte de ter uma casa em que o "homem da família" é contra todas essas ideias de superioridade masculina. No entanto, o Governo não pensa da mesma, eles acham que somos o pior ser do mundo.

Eu nunca soube o que aconteceu para ser honesta, é proibido o estudo de historia as mulher, mas pelo que sei em geral... Foi mau, muito mau mesmo. O meu pai contou-me que houve um tempo em que as coisas eram diferentes, em que as mulheres eram como homens ou ainda mais respeitadas, mas ele nunca me disse o porque das coisas terem mudado tanto. Às vezes eu gosto de me sentar a frente da lareira e apenas imaginar o que teremos feito, por vezes penso que na verdade não fizemos nada apenas os assustamos.

Mas sei que fizemos algo. Tivemos de fazer. Que outro motivo haveria para nem podermos decidir com quem casamos? Medo não leva alguém a fazer algo assim.

Hoje faço 18 anos. No nosso 18º aniversario recebemos uma carta prateada, nela haverá uma carta a indicar quem é o nosso "par perfeito",que por acaso é dado aleatoriamente pelo computador, e a partir dai apenas vamos ter com essa pessoa a sua casa para casarmos e termos filhos como nos contos de fadas... Deus, não há maneira de considerar isso algo bom. Mas não é uma opção, se não a minha família seria desonrado e eu provavelmente seria levada por não cumprir os ideais apresentados pelo Governo.

Estou sentada na frente do fogo quando ouvi o som da porta,olhei a entrada vendo o meu pai entrar com um envelope dourado na mão,mas não devia ser prateado?

"Eu sei que eu estou provavelmente errada, mas... o envelope não deve ser prateado?"Pergunto olhando-o confusa com tal situação pois pelo que nos tinham ensinado apenas os rapazes recebiam a carta dourada que era a sua admissão a Academia Militar onde haveria de encontrar a sua vocação.

"Eu sei Ryan, mas aparentemente eles acham que tu és um rapaz" diz ele olhando para mim com os seus olhos azuis e logo olhou o envelope" Acho que houve algum erro com a tua documentação. Tu  queres que eu vá corrigi-los?" Ele sussurra sentando-se ao meu lado com um leve sorriso. Porque raio esta ele a sorrir? Eu não sou suicida para ir aceitar ir para lá...

"Pai,eu não sou louca se não fores corrigir isso amanha estarei numa cova!"Diz-se suspirando. Eu não sou corajosa a esse ponto.Ninguém é. Como pode ele estar a propor-me algo que levaria a minha morte?! Só pensar em tal coisa me deixa nervosa quanto mais realmente fazê-los.

"Pensa nisso Ryan ... Tu podes fazer issso, tu sempre fostes Maria rapaz" Ele diz "Eu sei que tu poderias fazer isto se quisesses, eu acredito em ti"

Ele sorriu acarinhando o meu cabelo e fui para a cozinha onde a minha mãe fazia o jantar. Como é possível ele me propor algo assim?

Eu adoraria ser capaz de simplesmente aceitar, no entanto, no mundo real eu não conseguiria enganar as pessoas, o meu rosto é fino e tem traços femininos, era impossível fazê-los pensar que sou um rapaz! Para não falar que só tenho 1,60 cm na minha cidade os rapazes são todos extremamente altos. Eu não posso fazê-lo nunca conseguiria. Porém algo me diz que também nunca conseguiria viver como as mulheres desta cidade, em silencio e felizes por servirem o seu marido. Afinal, será realmente viver se não estou feliz com a vida que levo? Viver assim iria me matar a cada diz, talvez.. Talvez arriscar-me possa mudar algo... Por mais mínimo que seja

Fui para o meu quarto, ficando a olhar o teto atentamente. Eu preciso dormir, descansar. Mas também preciso de me decidir. Amanha quem serei? Serei a miúda que esperam que seja e vou corrigir o erro ou irei me apresentar como Ryan Morgan na Academia e rezar para não morrer?

Eu só fechei os olhos, adormecendo no meio daqueles pensamentos.
Na manha seguinte acordei por volta das 5 da manha. Algo não me deixava dormir. Suspirei andando até a casa de banho onde enchi a banheira. Entrei na mesma olhando o meu reflexo no pequeno espelho que la tinha suspirando. Quem sou eu? Sinto que ando a brincar aos teatros a minha vida toda e o pior é que até agora consegui enganar quase todos...No meio dos meus pensamentos os meus dedos dividiam o meu cabelo ao meio. Respirei fundo pegando numa tesoura e comecei a cortar tentando não olhar para os fios dourados que caiam na agua fixando-me na linha do meu queixo para não me magoar ao cortar. Acho que fiz a minha escolha...

Silêncio // L.P.Onde histórias criam vida. Descubra agora