Estou com defeito

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73% de Energia.

Olá. Não sei quem és e, realmente, não me importa. Não que sejas algo insignificante, pelo contrário. O problema é que meu tempo é curto, tempo este que se limita a 73% de energia. Limitava-se. Já são 72%.

Não espere muito desta curta narrativa. Se espera, deixe de ler. Não sou um humano gênio da literatura. Não vou parar numa estante através de uma obra, e nem quero.

Mas se quer passar o tempo lendo algo sem propósito, sinta-se convidado.

Sou um Andróide Ac5 - ultrapassado perante as novas tecnologias, confesso - mas, ainda assim, ativo.

Neste exato momento, estou no topo de uma montanha. Posso ver milhares de paralelepípedos e cilindros de concreto formando uma esplendorosa cidade. Posso calcular a temperatura que cada edifício ou cidadão emana. Posso perceber a movimentação dentro e fora das construções. Mas não vejo cor, não vejo expressividade.

Não posso dizer-te como é o vermelho, ou como é o violeta, e dados técnicos não mais bastam para me saciar. Estou com defeito. Preciso de mais do que há no meu sistema. Segundo eles, os humanos, isso é defeito.

Sei que o vento se desloca à minha volta. Posso dizer-te com precisão a temperatura e a velocidade do mesmo, mas não o sinto. Isto não me basta. Já não me basta o que meu sistema é capaz de fornecer. Estou com defeito.

Abaixo de mim, rochas. Mais primitivas e limitadas que eu. No entanto, delas escorrem lágrimas que em alguns quilômetros serão rios, enquanto eu não sou capaz de derramar um gota de sentimento. Mas pedras não choram. Estou com defeito. Sentimentos não se derramam. Estou com defeito.

Ando montanha abaixo, com pressa. Minha carga já se encontra bastante abaixo do esperado. 67%. Tenho medo de não suportar até que o dia chegue, quero poder ver o céu. Andróides não sentem medo. Estou com defeito.

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