Era a terceira vez que o Luciano me chamava pra ir à chácara do avô dele. Já com a saúde debilitada, o senhor de idade morava com um dos filhos, e a chácara havia ficado para os herdeiros usarem para recreação. Ninguém morava lá.
A piscina ficava frequentemente descuidada, mas no verão era a sensação da criançada da família. Em um condomínio fechado, as chácaras vizinhas não ficavam tão distantes, Luciano passeava pelo condomínio com sua namorada com frequência, mas a nossa diversão ali era utilizar o vasto espaço aberto para atirar com as armas de pressão.
Ele tinha a espingarda dele já havia alguns anos, as duas primeiras vezes que fomos lá, nos revezamos com ela, mas dessa vez eu tinha comprado a minha: uma carabina com coronha vazada de polipropileno maravilhosa, a sensação de poder ao aponta-la para alguma coisa era indescritível, mesmo não sendo uma arma “de verdade”. Segundo o vendedor, os disparos chegavam a mais de 300 metros por segundo, quase o dobro da carabina do Luciano. Havia me custado umas três ou quatro vezes o valor que eu teria pagado numa igual à dele, mas logo que eu a empunhei na loja, eu decidi que a compraria.
Ficamos disparando contra latas de tinta vazias e jacas no pé durante aquele sábado até o entardecer, um chumbinho ricocheteou nalgum lugar e quase pegou o meu rosto. O Luciano riu bastante, mas na hora eu fiquei assustado. Depois eu ri também. Essas coisas são engraçadas quando não acontece nada de grave, se tivesse me acertado no olho, não estaríamos rindo. Interessante como a gente tem o costume de rir de situações de perigo que terminaram sem causar nenhum problema sério, deve ser algum tipo de reação de alívio, que nos leva a rir de alguma coisa ruim superada sem maiores problemas, eu acho. Não sei.
O sol ainda estava no céu quando Luciano começou a cogitar a hipótese de ir embora.
- Quase seis horas já...
- Cansou já cara? – Eu disparei contra uma lata. E lá se foi um chumbinho para o horizonte. Ainda estava empolgado com o meu brinquedo novo, e não poderia usá-lo até voltar para lá com Luciano nalgum outro dia, já que em minha casa não havia espaço pra atirar com um trambolho daqueles, nem no quintal.
- Ah, ‘tô começando a cansar já. – Ele riu. – Da pra contar nos dedos a quantidade de furos naquela lata, e a gente ‘tá atirando o dia inteiro!
- Há-há. A gente é muito ruim nisso mesmo.
Começamos a guardar as coisas, colocamos as duas espingardas nas cases e levamos para o carro dele.
- Ow cara, você não sabe o que eu e a Lilian vimos esses dias, umas ruas aí pra cima... – Ele falava enquanto abria o porta-malas.
Olhei intrigado, esperando que ele continuasse.
- ‘Cê sabe que tem um vizinho ali pra cima que dizem que é meio maluco, o cara mora lá desde que eu comecei a vir pra cá, quando eu era criança. A gente tinha medo dele, ele vivia matando os cachorros que apareciam lá por perto da casa dele, uma vez eu encontrei um cachorro que meu avô tinha aqui na chácara morto, com um corte de cima a baixo na barriga jogado perto da casa do cretino. – Ele parou por um instante. – Acho que ele tinha uma filha, mas ela não brincava com a gente, acho que o velho nem deixava ela sair de casa.
- Hum...
- Esses dias eu e a Lilian estávamos andando aqui pelo condomínio, passeando, sabe? Aí acabamos passando pela rua dele bem na hora que ele ‘tava chegando com aquela brasília velha. Ele desceu me encarando quando foi abrir o portão, a Lilian encarou ele também, ‘cê sabe como ela é...
- Sei, há-há. – Eu ri sem querer, mas a namorada do Luciano era uma tremenda de uma encrenqueira e ele sabia muito bem disso, ele vivia tendo problemas para evitar que ela entrasse em brigas por aí.