Entrega nas mãos de Deus.

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Um quarto escuro a escondia em sua cama, um corpo encolhido que repetia durante tanto tempo que estava exausto, apesar do novo dia ter acabado de começar. Seu corpo encolhido parecia refletir as dores dos pulsos cortados, como se estivesse em uma espiral de dor, crescendo e diminuindo a medida que se mexia. Precisava levantar, pedia a Deus que livrasse a dor que consumia seu peito.

A jovem que antes se orgulhava dos cabelos longos e ondulados, agora escolhia o corte curto, acima da nuca. Seus olhos não tinham o mesmo brilho de antes, ela chorava com desespero quando a porta abriu e ouviu alguém chamar por seu nome, mas parecia distante apesar de saber que quem a chamou estava dentro do quarto. As luzes das janelas invadiu o quarto quando seu irmão puxou as cortinas com força.

Olhou em volta procurando pela irmão mais novo, notou que no edredom havia pequenas manchas de sangue e logo tentou esconder o puxando para junto de seu corpo, no quarto havia um leve cheiro de ferro no ar. Ele soube assim que entrou o que estava acontecendo, soube que eu estava mal de novo e o pude ouvir soltar o ar pesado do peito. O vi sair e deixar a porta atrás de si aberta. Levantei mais devagar do que imaginava, como se o edredom pesasse uma tonelada, sentei-me na cama, ao lado do que estava meu corpo encolhido.

Levei meu olhar direto para meus pulsos apenas o suficiente para ver o estrago que fiz, senti meus olhos pesarem com lagrimas gordas, sabia que estava prestes a cair de novo na cama quando o vi de relance no portal da porta, me sondando como uma mãe coruja, vi sua boca se transformar em uma linha tensa, como se sumisse. O vi refletir sobre como iria agir a partir daquele momento, tudo em questão de segundos. Deu o primeiro passo na minha direção e levantei a mão, pedindo para não se aproximar. Não queria falar, não conseguir imaginar um único som atravessando o nó que se formou na minha garganta. 

-Me conta...-pediu quase num sussurro.- o que aconteceu?

 O olhei quieta, não conseguia a falar, a garganta mais seca do que qualquer deserto do mundo. Um granido estranho atravessou minha boca, um som estranho e desajeitado, apesar de ser meu irmão mais novo ele também é seu melhor amigo, a pessoa com quem mais contava na vida... Mas hoje não havia como colocar em palavras o que estava sentindo, como explicar que sentia como se estivesse sempre com um cobertor molhado? Como descrever que apesar de saber que meu quarto estava completamente iluminado, eu ainda o enxergava tão escuro? Eu  não saberia se ele pudesse entender. Abri a boca e de novo aquele som estrando saiu do fundo da garganta, o vi franzir a testa como se lutasse internamente sobre o que fazer, finalmente ele entendeu que não poderia dizer.

-Tudo bem... -disse um pouco mais alto, passando uma mão no queixo.- Sei que você consegue sair dessa, já vi você sair antes e eu sei que não ser agora que você vai desistir..- levantou o rosto, encarando meu pequeno corpo.

"Você é meu irmão mais novo e é meu dever te proteger, nina-lo antes de dormir. Mas nem isso eu ando conseguindo fazer, me desculpe. Eu não tenho a força que preciso agora. Peço todas as noites pra ser forte, para que eu não venha cair de novo; peço que você não chore por todas as vezes que me encontra pela manhã dessa mesma forma... Eu sei que você pensa que vou melhorar e tento acreditar nisso, tento me agarrar nisso mas sinto escorrer por entre meus dedos. Está acontecendo mais vezes do que sou capaz de admitir, você está enganado... acho que dessa vez não conseguirei. Estou tentando fazer cada dia melhor do que o anterior mas não sei se consigo mais."

Penso em silêncio, finalmente sentindo as lagrimas rolarem morro abaixo, não conseguia respirar pelo peso do que não foi dito. Ele ouviu o soluço preso escapar por entre meus dentes e deu mais alguns passos em minha direção, senti sua mão alcançar a minha que ainda estava erguida em sinal de pare, ele não sabia o que fazer, por onde começar, se me abraçava ou chorava comigo. Podia ver a fumaça sair seus ouvidos, uma luta, era quase cômico por saber que ele não era de demonstrar o que sentia, acho que é mal de família. Finalmente decidiu, senti seus braços envolverem meu corpo em um abraço apertado, podia sentir seu peito pular em um soluço silencioso; o que eu estava fazendo? Como podia deixá-lo passa-lo passar por isso todo esse tempo? O abracei de volta, agora quem precisava ser consolado era ele.

-Me desculpe... -sussurrei, meus olhos arderam com as lagrimas que continuavam a se formar.- ...eu sei que estou estragando tudo.

Minha garganta se fechou, não conseguia dizer mais nada, não conseguia se desculpar pelos comprimidos que ingeriu minutos antes, foram tantos, fortes demais, agora seu corpo adormecia e ela apenas chorava e seu irmão finalmente percebeu. Ela estava partindo, dessa vez não teria direito à despedidas, ele levantou apresado pegando no colo seu corpo quase sem vida, quase sem calor.

Faltava tão pouco e ele sabia disso, gritou desesperado, não havia ninguém em casa, estavam sozinhos e sem carro..

"Senhor por favor, não leve minha irma, não agora... Não permita que ela se .."

Um grunhido atravessou sua garganta, a pele fria dava choques com a sua, ele estava sem chão, correu apressado para fora gritando mas, ninguém o ouvia. Ele estava sozinho com ela. Fechou os olhos deixando-se molhar pelas lagrimas, ficou se joelhos e então sentou no meio da rua sem saída, apertou no peito o corpo da irmã.

"Acalma teu coração..." pediu para si mesmo. "Deus não faria isso com você se não fosse pra acontecer, está nos planos dele e você não pode interferir..."

Olhou nos olhos da irma, ela chorava mas já não tinha luz nos olhos, ela estava partindo e ele não podia fazer nada a não ser se despedir, puxou mais a pequena para junto, beijando sua testa, disse:

- eu pedi tanto para que ficasse, orei para que você conseguisse sair disso que te prender mas, eu cheguei tarde demais hoje, eu não consegui te proteger, não fui o irmão mais velho que você sempre precisou...- ele chorava agarrado ao ouvido dela, apertando seu corpo, como se por algum momento aquele gesto iria mudar o que se passava ali.- eu sinto muito, eu deveria ter notado antes, eu deveria ter insistido mais... Eu não sou digno de ser chamado de irmão....

Ele suplicava em nome de deus, não conseguia o culpa apenas, pedia pra que não a deixasse ir até que algo, um sussurro o calou.

-está enganado..-murmurou a jovem, uma voz que pensou que já não teria.- durante tanto tempo eu esperei por isso, esperei pela morte, a decisão de partir veio de mim...

"Deus está me esperando, um anjo está ao meu lado sorrindo,eu serei bem-vinda no reino de deus pois, ele sabe a dor que eu sinto,a dor que você está sentindo. Como você mesmo disse, nosso pai não faz nada sem um propósito e o meu já esta comprido. Não culpe-se pela minha decisão,não o quero ver chorar, você é o melhor irmão que eu já tive e ainda tenho. Eu te amo...."

E então, seus olhos se fecharam pela ultima vez, duas últimas lágrimas rolaram depois e ela à voltou a sorrir, era um sorriso fraco mas era seu sorriso mais sincero, ela partiu. Ela foi ao encontro de deus em seus bracos, foi ele quem a segurou no leito de morte e essa lembrança o seguira pelo resto da vida mas, apesar de tudo, apesar de sua irmã ter partido, de esta com ela em seus braços, gelada e sem batimentos, ele ainda sentia sua presença, ainda podia ver seu sorriso brincalhão. Ele foi banhado pela lembrança que fizeram juntos, ele agradeceu a deus. Mesmo na hora da dor, ele não o abandonou....

Não havia muito o que fazer além, de um último abraço enquanto ouvia os passos apressados ao se aproximar deles. Beijou uma ultima vez a testa se sua irma antes que a tirassem de seu colo. Ele entregou nas mãos de deus,

Sem olhar para trás.Onde histórias criam vida. Descubra agora