Lucilla's POV
- Two beers, please. - O senhor atarracado e careca gaguejou pra mim mostrando dois dedos.
- Where are you from? - Perguntei em inglês, ele parecia ter bem pouco domínio mas esperava que ele soubesse ao menos o básico.
- O quê?! - Para minha surpresa ele respondeu em português, com um sotaque bem forte característico do português de Portugal.
- De onde você é... - Falei sem me mexer no balcão.
- Portugal. E você?
- Brasil. - Disse do meu jeito mais simpático-não-estou-te-dando-bola-só-estou-sendo-gentil. - Primeira vez em Londres?
- Sim. Não entendo muito inglês.
- Percebi. - Falei e ele riu com vontade. - Olhe, não peça por beers, peça por pints, aqui é assim. E não mostre os dedos, é falta de educação para eles. É como mostrar o dedo do meio, entende?
- Oh meu Deus, sim. Entendi. Pints, não beers. Não mostrar os dedos para pedir as coisas. - Ele repetiu envergonhado. - Por isso o rapaz ali não me atendeu.Essas são algumas das coisas que tive que aprender quando cheguei aqui. Eu vim do Brasil faz cinco anos, larguei tudo, família, emprego, amigos e vim morar com o Christopher. Eu trabalhava em uma grande empresa lá, morava sozinha, tinha o meu espaço e reconhecimento no que eu fazia, eu era boa.
Ele passou um tempo lá trabalhando, nos conhecemos, me apaixonei, ele precisou voltar, larguei tudo e vim ficar com ele.
Não durou seis meses. Fiquei sozinha, num país diferente, sem nenhum parente, com o pouco dinheiro que restara das minhas economias, sem ter onde morar e sem emprego.
O namoro acabou, eu fiquei.
Entrei no Draft House pela primeira vez sem nem saber o porquê, desabei em um dos bancos do balcão e chorei, me vi sem chão e sem rumo, sem a coragem necessária para ligar pra casa e contar o fim trágico do meu sonho dourado (na verdade nublado, já que aqui quase não tem sol). Para minha sorte e menor vergonha, o pub havia acabado de abrir e eu era a primeira cliente do dia.
Depois de despejar tudo na bartender em uma mistura de inglês e português rápido - algo que agora eu já estou habituada, muitos clientes achavam mais barato pagar o bar, do que um terapeuta - e de beber algumas cervejas artesanais tão fortes que fizeram minha cabeça girar, sai do pub com uma amiga, Amy; as chaves de um lugar para ficar, um emprego, a barriga cheia de boa comida e cerveja e o coração um pouco menos vazio.E aqui estou eu na Tower Bridge Road, a duas quadras da Tower Bridge, há quatro anos e pouco mais de seis meses, no pub que se tornou minha casa.
- Isso mesmo. Qual você quer? - Perguntei entregando a carta de cervejas para ele.
- São muitas. Eu não sei o que pedir para minha esposa. Ela é aquela ali. - Como todo bom turista que fala língua portuguesa, ele se mostrou muito feliz ao encontrar alguém que falasse sua língua e desatou então a conversar. Depois de um pequeno resumo de onde veio, o que fazia da vida e de me perguntar como havia cruzado o Atlântico, pergunta à qual usei de todo o meu autocontrole para não responder "De avião, óbvio", contou-me o que fazia aqui no "meu" pub. - É nosso aniversário de 25 anos de casados. - Disse orgulhoso apontando para uma mulher sentada do outro lado do pub, apertando uma bolsinha entre as mãozinhas roliças.
- Meus parabéns!
- Sabe, ela não gosta muito de bares, de beber, eu a convenci com muito esforço a entrar aqui.
- Então eu acho que a cerveja de morango vai ser ideal para ela, é bem fraca.
- Ótimo! E para mim o que sugere?
- Esta aqui. - Apontei para o nome da cerveja e ele rapidamente olhou para o valor, notei pelo jeito de falar e pelo modo simples que se vestia que não era rico. Provavelmente havia economizado para fazer essa viagem com a esposa. A cerveja que escolhi/indiquei era uma das mais baratas mas não de qualidade inferior às outras.
- Tudo bem então.
- Vai comer alguma coisa?
- O que você sugere?
- Já sei o que vou fazer. - Comecei enchendo os copos para entregar à ele. - Confia em mim?
- Confio.
- Então volte para a sua mulher e deixe isso comigo.