O verdadeiro conselheiro

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Eu fui dormir decidida a - no dia seguinte - fazer o que tinha de fazer!
Eu precisava executar o plano  que vinha armando mentalmente há muito, muito tempo, mesmo com tanta decepção e me sentindo a maior bestinha.
E como se não bastassem as belezinhas que eu tinha pra resolver, ainda tive que lidar com toda as lembrança do dia que passei na casa do Gabriel. Fora o suposto amor da vida dele - que não sou eu.
Foi triste demais. Até porque eu só piorei a minha situação quando resolvi esquecer do combinado, e acabei me vestindo feito uma jeca.
Suspirei tentando afundar o remorso no fundo do coração. E segui em frente no caminho que deveria ter pego bem antes.

Dessa vez eu caprichei no visual. Mentira! Eu só tentei não sair parecendo uma desajeitada maltrapilha. Botei logo um vestido que comprei numa dessas feirinhas do Brás, ele é azul, o tecido jeans bem levinho em cima exibe umas florezinhas bancas bem miúdas e tem botões, e a saia é toda lisa, ele não tem mangas. Uma graça, pena que não estou nada meiga por dentro.
Acho que foi por isso que resolvi visitar o Sr. Darcy e companhia limitada... Talvez eu queira um mísero consolo superficial pra amaciar meu ego dolorido. Pensei.

O vento estava gostoso, fraquinho, brincando de dançar com alguns cachos negros que caíam sobre os meus ombros. Eu sei que o mato me faria cócegas nas canelas e eu me arrependeria mais tarde, mas, ainda assim, quis ir de vestido e aproveitar a brisa fresca...
Eu estava meio grogue, tinha ficado muito abalada com tudo e por isso fui caminhando devagar. Embora estivesse ansiosa para ver meu velho e lindo amigo, uma parte de mim queria prolongar a distância para por os pensamentos em ordem e não dar vexame.
Andei por aquele atalho tão familiar pra mim, caminhei e caminhei até avistar a porta ao longe, na casa que antes era mal cuidada. Levei um tremendo susto, e acabei abrindo um sorriso inconsciente.
Não podia ser! Eu estava doida de pedra, só podia. O Sr. Darcy me assustou de vez ao me proporcionar aquela visão...

Eu decidi chamar ele assim, Sr. Darcy, porque as características principais eram as dele, tudo ali. Acabei deixando em segundo plano os outros personagens, pra mim era só Darcy, sem Ian, sem Maxon, embora eu os amasse tanto quanto.
Ele estava de costas para mim, usando uma camiseta branca colada ao corpo por estar suado. No bolso do jeans desgastado tinha um pincel com as cerdas para fora. Darcy passava um rolo encharcado de tinta de cor azul celeste na parede, calculei um meio metro já colorido e o restante envelhecido e desbotado tanto quanto da última vez que a vi.
Meu velho amigo não me viu, nem poderia tão entretido como estava no seu trabalho preciso. Seus músculos eram evidentes, mesmo ele vivendo em outra época, dava a impressão de ter passado meses numa academia.
Perdi a noção do tempo que fiquei admirando. Mas não com malícia ou coisa do tipo, foi uma admiração diferente, senti que ele estava tentando levar uma vida normal depois de perder tudo que era tão importante em seu mundo. Achei bonita a atitude, mas meu coração pesou por ser a principal culpada de tudo que o fizera sofrer.
Darcy parou de pintar e passou a mão na testa, alisou os cabelos para trás e suspirou pesado. Foi quando me viu que seu sorriso apareceu e isso me fez sentir a pior das pessoas, com tudo o que fiz, ele ainda foi gentil comigo.
-Olá- eu disse meio tímida.
-Boa tarde, senhorita- devolveu muito amável.
-Como tem passado?-ele quis saber.
- Ai- suspirei-  bem, eu acho, e o senhor?
-Estou muito bem, aprendendo a lidar com tudo que o destino preparou para mim.
-Entendo...
Houve um silêncio meio constrangedor entre a gente, e eu finalmente falei.
- Você me odeia? Foi tudo culpa minha, não pensei que isso ia acontecer. Nunca imaginei que existia uma...uma... realidade paralela dentro dos livros e a vida aqui fora, agora, ... agora... você está perdido. Tudo...
Atropelei as palavras desesperada para saber sua resposta e a angústia preencheu todas as lacunas dentro de mim. Eu não suportei e deixei as lágrimas caírem como chuva de verão.
-Oh, acalme-se senhorita – ele parecia sem chão- Jamais permitirei que se martirize desse modo. Parte meu coração vê-la nestas condições. Não existe um culpado senão o destino. Veja bem- ele parou para pensar – sinto falta de tudo que perdi, entretanto estou me familiarizando com esse novo universo, não tome sobre si o peso de uma culpa que não existe.
Ele se aproximou de mim e me olhou fundo nos olhos, a chama no olhar era do Ian, a doçura de Maxon e a gentileza do Sr. Darcy. Quase chorei outra vez, mas me segurei até onde deu. Queria arrumar a bagunça toda, só que eu não sabia nem por onde começar.
Suas palavras me acolheram e eu fui sentindo a calmaria voltar pra mim.

Dentro da casa Darcy também tinha feito algumas mudanças. Não, muitas, muitas mudanças. Os móveis estavam mais firmes e bonitos, as paredes pintadas no tom champanhe, as cortinas nas janelas eram de um tecido muito fino e branco. Delicado como seda. Acho que era seda mesmo!
Fiquei pensando em como ele teria conseguido dinheiro para bancar uma reforma daquelas, digna do quadro lar doce lar do Luciano Huck.
-O ofício que tenho agora não passa nem perto do que tinha antes, porém desde que comecei a trabalhar consegui reformar esse lugar- ele me respondeu como se lesse meus pensamentos.
- Ficou ótimo – respondi admirada- quando eu era menor vinha aqui com alguns amigos brincar, era tão legal. Pena que velhos tempos não voltam.
- Com toda a certeza!
- Mas onde você está trabalhando?
- Conheci um jovem, nos tornamos amigos e ele pensou que eu fosse um estrangeiro, não lhe tiro a razão – ele sorriu.
- Mas você tem um pouco de brasileirísse!
- Mas é claro. Minha cara, o que está lhe perturbando? Já lhe disse para não se preocupar, assim que me familiarizar e reestruturar minha vida, eu vou procurar uma maneira de voltar. É uma questão de tempo.
- Eu sei, é que... – não encontrei as palavras certas para relatar o que eu estava sentindo de verdade.
- Pode confiar em mim. Acredito que sejamos amigos. Sim?
Meus olhos se encheram d'água, mas me recusei a chorar na frente dele.
- Mas é claro!  Não é só isso que aconteceu de ruim, sabe...
-Estou disposto a lhe ouvir, querida.
De repente despejei tudo em cima dele. Contei todos os detalhes sobre o Gabriel, não sei onde estava com a cabeça.
- Compreendo. Este rapaz é cego. Não consegue ver a joia bem em frente seus olhos.
Corei.
- Agora tenho que ajuda-lo a conquistar a tal garota. O que eu faço?
-Se quer meu conselho, ajuda-lo vai lhe causar danos ao coração. Pois quanto mais se aproximar do fogo, pode se queimar. Por outro lado, pode ser que este tempo juntos lhe sirva para conhecê-lo melhor e assim criar apenas uma amizade e não alimentar outros sentimentos.
- Entendo, então devo ou não continuar com isso?
-Veja bem, deve seguir seu coração, fazer escolhas maduras. Ajude seu amigo, entretanto, se perceber que está desenvolvendo sentimentos com raízes mais profundas – ele pigarreou envergonhado – digo, amor. Então se afaste, não é bom desejar algo que não pode lhe pertencer por completo.
De repente a frase com a qual ele finalizou seu discurso incrível grudou em mim e me machucou profundamente. Eu havia desejado isso, digo, eles, os personagens, aqui comigo. E com certeza nenhum deles poderia me pertencer por completo.
Nesse segundo fiquei decidida a:
1- Ajudar o Gabriel na sua conquista;
2- Esquecer que algum dia eu passei a imaginar nós dois como um casal;
3- Guardar meu coração dentro de uma caixinha, dentro de outra e mais outra e deixa-lo nas mãos de Deus;
4- E o mais importante: não descansaria enquanto não devolvesse meus personagens favoritos aos seus respectivos livros!


O namorado dos meus sonhosOnde histórias criam vida. Descubra agora