Vinte e Seis - Nunca diga nada

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A luz da cozinha ainda estava acesa, mas a conversa (antes) animada da sala de jantar havia se extinguido. Após a pequena discussão, a família se separou, cada um inventando uma desculpa diferente para ir dormir. Youngjae preferiu se esconder do lado de fora, sendo observado de perto por Dalhee e os dois irmãos. A brisa calma bagunçava seus cabelos, os jogando em sua testa repuxada e distorcida pelos pensamentos frustrados. O clique da porta sendo aberta ecoou no silêncio, todavia o economista deu pouca importância ao indivíduo que apareceu. Quem ele realmente queria como companhia estava trancado em um quarto de hospedes, talvez revoltado demais para sequer sair de lá no outro dia.

— Acho que estou vendo uma fumacinha sair de sua cabeça, irmão. — Youngsan aproximou-se devagar, tentando não espanta-lo. — O que está acontecendo?

— É bobeira sua. Não estou pensando em nada.

— Nem perca tempo negando. De uns tempos para cá eu percebi que está mais distante, distraído e estressado. Conte-me o que está acontecendo.

— Você tem os seus próprios problemas. Não se preocupe comigo. — Girou nos calcanhares e já mantinha uma mão na maçaneta, pronto para fugir do assunto, mas foi interrompida pela voz dura do mais novo:

— Youngjae, você é meu irmão! Não fuja dos seus problemas porque eles sempre te perseguirão até serem resolvidos. Pode desabafar comigo, não hesite.

O economista sentiu os olhos marejarem e as pernas fraquejarem. Era um fraco. Não sabia esconder sua frustração, sua infelicidade, sua insegurança e seu desespero. Uma gota quente desceu por seu rosto, umedecendo a boca rígida pela tensão. Aquela pequena lágrima fora a chave para outras percorrem o mesmo caminho para fora de seus olhos.

— Eu não vou te julgar, irmão. Pode contar comigo. — Youngsan puxou o outro para um abraço rápido, um pouco espantado e sem ação ao vê-lo chorar copiosamente.

Sentaram-se encostados na porta, lado a lado. Ficaram no mais completo silêncio até o economista se acalmar, puxando o ar com força e o soltando na mesma intensidade. Buscou o olhar do irmão, encontrando a coragem necessária que precisava. Abriu a boca e as palavras saíram lentas e pausadas, confessando tudo o que precisava ser confessado. Youngjae não teve medo da rejeição, se sentira bem ao contar toda a verdade. O peso estava sendo dividido e a pressão em sua cabeça havia diminuído consideravelmente. Se não poderia contar com Youngsan, com quem poderia?

...

O dia já havia amanhecido, mas ainda parecia noite para Daehyun. As janelas estavam trancadas e as cortinas fechadas, nenhuma luz provinha do ambiente externo ensolarado. Seus olhos estavam pesados e doloridos. Não conseguia imaginar que horas eram, o galo estava cantando fazia tempo; nunca estivera tão indisposto em sua vida.

— Só pode ser praga da bruxa velha. — Murmurou com a voz entrecortada e mais rouca do que o habitual. Jogou as cobertas para o lado e colocou o pé direito para fora da cama primeiro. Conseguiu soltar uma risada descrente e baixa. Youngjae havia passado aquela bobagem de "pé direito é igual a sorte" para ele, um ser humano que era totalmente desprendido de qualquer superstição.

Pegou umas roupas na mala e foi até o banheiro no fim do corredor. Bocejou três vezes durante o trajeto, fingindo um sorriso ao ver a Senhora Yoo cruzar apressada seu caminho.

— Daqui a pouco servirei o almoço, querido. — Ela hesitou por um momento, estagnada entre a porta da cozinha e do lavabo. Segurou-o pelo braço, delicada, e desabafou: — Eu gostei muito de você, Daehyun. Não nos julgue pela minha irmã, por favor. Nem todos pensam ou são como ela. Peço desculpas em nome dos Yoo's.

— Oh! — Foi o único som que o cantor conseguiu emitir, surpreso demais. Encarou os olhos doces da mulher por alguns segundos, decidindo entre o silêncio e a sinceridade: — Fico feliz em ouvir isso, mas o insolente da história sou eu.

— Você não tem que se sentir culpado, pelo amor de Deus. Nem pense nisso. — Ela escondeu um brilho diferente no olhar com um sorriso bondoso. Pela segunda vez, hesitou. Indecisa entre uma fala e outra. Com um menear de cabeça pesaroso, disse: — Me daria a honra da sua companhia na cozinha? Preciso de um ajudante.

...

O cantor cortava as cebolas com cuidado, sendo observado de perto por Youngwon e a tia inconveniente. O primeiro tentava acalmar os ânimos com anedotas e brincadeiras inusitadas, mas não surtiam muito efeito. Os outros integrantes da família esperavam na sala, fazendo algazarra e gritando com a televisão. A Senhora Yoo arrumava a mesa do almoço sem pressa, organizando tudo com uma precisão impecável. Entre um corte e uma piadinha infame, Youngjae apareceu na cozinha um pouco eufórico e gritou:

— Daehyun, eu preciso MESMO falar com você!

— Eu não posso agora. — Deu as costas ao namorado, sentindo a nuca queimar com o olhar intenso que lhe era dirigido. Não estava mais tão bravo com o outro, porém não perderia a chance de fazê-lo ficar com a consciência pesada.

— Vo-Você não está colaborando! O assunto é urgente. Ele pode colocar muita coisa a perder. — Tocou o ombro de Jung, o fazendo se virar novamente.

— O que significa isso?! — A voz estridente da tia ecoou pelos azulejos. Sem perceber, o cantor revirou os olhos. — Sobre o que estão falando? — O economista se afastou rapidamente, posicionado as mãos ao lado do corpo, como um soldado obediente ao general. Havia esquecido que não estavam sozinhos. — Eu sabia que trazer esse seu amigo seria uma péssima ideia. O que a sua mãe tem na cabeça?

— Des-Desculpe tia, mas a senhora devia dar uma chance a ele. Conhecê-lo melhor.

— Eu o conheci muito bem no jantar de ontem. Esse tipinho de gente...

— Tia, faça-nos um favor? — Pediu Youngwon, um pouco irritado. Rangendo os dentes e esboçando um sorriso plastificado, empurrou a senhora "gentilmente" até a porta da cozinha. — Vá assistir televisão e nos deixe em paz aqui, por favor.

— Sempre tão mal-educado. — Resmungou ela para o sobrinho, indo embora. Aproveitado a oportunidade, seguiu o mesmo caminho, deixando Youngjae e Daehyun sozinhos.

— Será que podemos conversar? — O cantor voltou a fatiar as cebolas, mas indicou que estava ouvindo. — É um assunto um pouco delicado e... E pode mudar muita coisa.

— Posso ser sincero?! — Virou-se de repente, com a faca em riste perto do próprio rosto. A pergunta era retórica, óbvio. O outro dizendo sim ou não, Daehyun falaria o que estava guardando no peito. — O meu primeiro dia aqui já me rendeu muita dor de cabeça desnecessária. O segundo dia não está nada agradável e caminha para mais um desentendimento com a sua tia. Você tem algo para me falar? Perfeito! Vai me arranjar mais perturbação? Ótimo! Guarde para si, eu não quero saber.

O economista se encolheu no lugar, recuando alguns passos. Como poderia reunir toda a coragem novamente?

O cantor diminuiu o tom de voz, tornando as palavras um simples sussurro:

— Temos que ficar fora de foco, por enquanto. Se quer contar aos seus pais sobre nós, acho melhor ficarmos nos bastidores de toda a confusão que está acontecendo.

— Mas isso que eu preciso te contar pode estragar tudo! Pode mudar a nossa relação.

— Não, Youngjae. Eu não sou curioso e não quero saber. Deixe-me livre dos problemas, por favor.

— Você não está entendendo. A Dalhee... Temos...

— NÃO! — Ouvir o nome da moça fez Daehyun sentir o interior se remexer, revoltado. Não suportava mais a presença dela, o cheiro dela, o amor que ela recebia enquanto ele mal conseguia manter uma conversa civilizada com a família Yoo. — Eu sei que você está nervoso e preocupado, mas não importa o que os seus pais vão achar ou o que a... Dalhee vai pensar. Nada pode mudar o que sinto por você. Nada pode mudar a nossa relação!

— Sinto muito, Daehyun. Eu estou tentando te explicar, mas você... — Youngjae foi interrompido pelos braços longos do cantor o envolvendo com força. Deixou a cabeça descansar na curva do pescoço do namorado, aspirando seu perfume. Os olhos marejaram mais uma vez e teve a certeza de que nada mais poderia ser feito.

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