Capítulo Único

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O dia já havia amanhecido há muito tempo.

Todos os preparativos haviam sido feitos com extraordinária rapidez, talvez para fazer com que tudo fosse menos doloroso para as famílias das vítimas.

Bom, aquilo não estava adiantando em nada. Pelo menos para mim.

A dor latejava em meu corpo como um parasita gigantesco, tirando todas as minhas forças.

Antes que eu me desse conta, no lugar aonde deveriam haver centenas de macas no Salão Principal, agora haviam caixões. Vários, todos de uma cor branca etérea e limpa.

Alguém tocou meu ombro. Identifiquei na hora aquela mão pequena e irrequieta.

– Rony... - Gina murmurou atrás de mim - temos que ir lá para fora... os... caixões já vão sair para o p-pátio...

A mão dela tremia tanto quanto eu.

Ela veio abraçada ao meu lado, como se temesse soltar meu braço.

A multidão que esperava fora do castelo, no pedaço de terra fofa que havia sido preparado para as lápides, aumentava à cada minuto. Quando Gina e eu nos juntamos a todos, os caixões fechados já estavam apoiados nas finas pilastras conjuradas pelos aurores.

Assistimos em silêncio cada um deles serem descidos em buracos escavados ali. Choros agoniados, gritos e soluços eram tudo que se podia ouvir ao nosso redor.

Eu queria chorar. Mas até minhas lágrimas pareciam estar perdidas no abismo que eu era por dentro agora.

Quando o caixão atarracado com um grande W escrito na tampa foi abaixado, senti Gina finalmente bambear em meus braços. Tive que apara-la antes que escorregasse para o chão.

– Rony... - ela havia enfiado o rosto em meu ombro, soluçando.

Meu olhar se perdeu completamente quando o caixão desapareceu dentro da terra verde de frente para a colina. Ele só foi encontrar um lugar para repousar quando chegou à uma figura próxima de mim, que tremia e chorava sem fazer som algum.

Hermione encontrou meu olhar enquanto afagava as costas de Harry, que mantinha o rosto voltado para o chão desde que o enterro começara.

Ela estava chorando muito... Como no dia que eu havia chamado-a de pesadelo no primeiro ano.

Era angustiante de se ver. Só me fazia lembrar do quanto eu nunca fora bom em nada. Um péssimo amigo. Um péssimo irmão... e agora, um péssimo fosse lá o que eu era agora para Hermione.

Hermione parecia indecisa entre se aproximar de nós e tentar ajudar Harry. Balancei a cabeça para ela. Agora eu podia ver que Harry precisava de consolo tanto quanto nós. Ele tinha tantos motivos para chorar quanto qualquer um ali.

Gina ergueu o olhar para Hermione e apertou meu braço.

– Você a ama... não é? De verdade.

Meu coração doeu quando olhei para Hermione de novo.

– Eu... não sei.

– Nunca pensou nisso? - ela suspirou, com o rosto virado, parecendo evitar olhar para a frente.

Aquela lembrança era dolorosa demais.

– Já.

– Nunca quis falar disso com ninguém?

– Gina... - arfei, finalmente encarando outra vez o caixão - a única pessoa com quem falei sobre isso...

Fitei o túmulo aonde meu irmão estava sendo enterrado. A lembrança veio como um rojão cruel e implacável...


Fred sentou ao meu lado. Como ele sabia que eu estava fugindo do enterro de Dumbledore?

– E agora, o que vocês vão fazer? - ele indagou como quem não queria nada.

– Harry planeja... uma coisa para nós no próximo ano.

– E o que é?

Olhei para ele, fechando a cara.

– OK, segredo de Estado - Fred ergueu as mãos - bom, seja lá o que for, talvez seja um bom momento para você ampliar seus horizontes amorosos, maninho.

– O quê?? - arfei, surpreso.

– Qual é, Rony? Vai me dizer que você não percebeu quem anda te olhando de um jeito interessado estes dias?

Ele não podia estar falando dela. Ele não era doido. Quer dizer, não era tão doido. Aliás, que papo estranho era aquele?

– Hermione não quer nada comigo, Fred. Você pirou?

Fred ergueu a sobrancelha, cínico.

– Rony... - ele se calou quando Hermione passou por nós, consolando uma menininha do primeiro ano que abrira o berreiro no funeral. Ela olhou para mim e sorriu de um jeito triste.

Deus que me perdoasse, mas eu nunca diria o como meu estômago se contraiu em resposta ao seu sorriso.

Fred voltou a olhar de esguelha para mim.

–... ela praticamente te beija com os olhos.

– Tá, acho que gosto dela - desisti, revirando os olhos - talvez, pombas. Só... talvez.

– Claro que gosta. E Hermione gosta de você - ele também revirou os dele - então para de perder tempo e fala com ela.

– E isso é fácil assim? - perguntei, ironicamente.

– Não se preocupe - ele riu - eu e Jorge estamos planejando te dar um presente que vai ajudar nisso...


Quando a lembrança se dissipou, minhas pernas estavam bambas de novo.

– A única pessoa com quem eu sequer pensei sobre isso... - fechei os olhos quando a dor me devorou outra vez - não viveu tempo o suficiente para nos ver juntos.

Gina levou as mãos à boca, com os olhos se enchendo de lágrimas outra vez.

Quando falou, sua voz estava sofrida, mas cautelosa.

– Mas ele estava certo, não é? Ele tinha razão.

Os primeiros punhados de terra que ribombaram em cima do caixão pareciam estar me tirando aos poucos do torpor.

– Sim... - olhei para a garota de cabelos castanhos à alguns metros de mim - ele sabia muito bem do que estava falando.

– Ele ficaria feliz em ver você agora. Provavelmente, até orgulhoso - Gina arriscou um sorriso que não chegou aos seus olhos, mas que ao menos parecia sincero - e acho que você ficaria melhor se cuidasse bem de algo que ele tinha tantas esperanças que você fosse cuidar no futuro.

Quando a terra foi nivelada e uma foto emoldurada de meu irmão apareceu na lápide, por incrível que parecesse, a dor aterradora e as dúvidas desapareceram como o caixão que fora enterrado.

Gina tinha razão. E Fred também. Qualquer que fosse o sacrifício ou o desafio, eu faria tudo para nossas vidas tomarem novamente o rumo. Eu teria coragem e determinação suficientes para confessar, nem que fossem apenas com gestos, o sentimento que agora latejava em mim no lugar da dor, ao ver Hermione e encarar o fato de que ela ainda estava viva - que se não estivesse, eu provavelmente também não precisaria mais estar.

Algo que as pessoas insistem irritantemente - e com razão - em chamar de amor.



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"Quando está suficientemente escuro, você consegue ver as estrelas."

Charles Beard


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