Sinto saudades de ouvir Matt correndo pela casa.De minha mãe brigando pra eu tentar chegar cedo em casa depois das festas com os amigos, me acordando todos os dias de manhã pra que eu não perdesse a hora da escola.
Do meu pai aumentando o volume ao máximo para poder assistir seus jogos mais emocionantes.
Eu sinto falta.
Mas a saudade não vai trazê-los de volta.
Só se passaram 3 anos e pra mim, foi mais que uma eternidade.
Tudo ainda está calmo, calmo demais.
Eu só me arrependo porque eles me avisaram, e eu sabia.
O mundo havia mudado em segundos, o meu mundo havia mudado em segundos, e eu não podia fazer nada, eu não posso.
O que me resta é a esperança, e o livro.
Eu achava que era feliz, vivia uma vida normal, tinha os mesmos problemas que uma pessoa comum tem, apesar de eu odiá-los mesmo sabendo que outros passam pelo mesmo, sentada neste sofá frio e gélido posso contemplar o que agora chamo de passado.
"Elisa! O café está na mesa!" minha mãe gritava aprontando a mesa com frutas, leite e cereais.
Cara, que saudade desse tipo de comida...
Com muita má vontade de acordar às cinco da manhã todo dia, me levantei, pus minhas pantufas e desci as escadas em direção a mesa.
"Que cara é essa mocinha?" meu pai dizia sem tirar os olhos do jornal, que ao meu ver estava muito interessante pela forma como o fitava, ele me conhecia bem.
"Infelizmente é a que eu tenho todos os dias..." eu disse fria, pegando uma torrada da mesa.
"Só se for a que você tem todos os dias de manhã né... com essa cara monstruosa até eu me assusto!" meu irmãozinho, Matt, dizia manobrando sua espada de plástico que ganhara no natal do ano passado.
"Ah! Não enche o saco Matt!" eu disse o empurrando. Logo ele revidou, e antes que virasse uma briga minha mãe interviu.
"Parem os dois! Vocês já estão atrasados pra aula, vamos! Se querem carona vão ter que se arrumar em 10 minutos!"
É claro que eu não ia a pé de novo pra escola, o friozinho da manhã me matava todas as vezes.
"Tudo bem, tudo bem, eu já to indo!" corri pro meu quarto, vesti o uniforme azul marinho, três vezes maior que meu corpo, e desci penteando os cabelos, eles já estavam esperando no carro, incrível como nem tentando ir rápido eu consigo.
No caminho para a escola Matt ficou falando do novo professor substituto que ele havia conhecido na aula passada, depois de ouvir como o professor ficou colado na cadeira por uma brincadeira de alguns alunos da sala, minha mãe começou a dar uma lição de moral nele, dizendo que ele não podia se divertir com uma situação daquelas, com a humilhação alheia, foi aí que me impressionei com ele dizendo que, na verdade, foi o único a ajudá-lo a descolar-se da cadeira e que por isso foi alvo de piadas maldosas por três dias seguidos, sendo conhecido como "puxa saco do lerdo", foi uma atitude inesperada para mim, se fosse eu o deixaria onde estava, pois na maioria das vezes não queria ser notada pelo povo popular e ser alvo de chacotas.
O tempo passou rápido, em 15 minutos já estávamos na frente da escola, tempo suficiente pra eu mandar algumas mensagens para minhas amigas, dizendo que em alguns minutos eu já estaria chegando.
"E aí Lis, como foi sua maravilhosa noite ontem?" Maria me perguntava com os braços envoltos em meus ombros.
"Sinceramente...aquela festa estava um lixo! Não vi ninguém conhecido e não ouço mais músicas dos anos 60, ainda bem que vocês não foram convidadas, pura perda de tempo!"
Confesso, agora sinceramente e para mim mesma, que todas as vezes que estava perto das minhas "amigas" eu mudava, totalmente, no modo de agir, falar, em tudo, eu não queria ser diferente como minha mãe sempre dizia, eu queria ser igual, para não ser percebida.
"Tenho certeza que você encontrou algum fortão que te pagou uma bebida vai!" Maurício dizia me dando um empurrãozinho com o ombro, eu não posso dizer que ele era um amigo, ele estava lá, e só.
"Não, tava em seca mesmo, nenhuma alma bonita se quer!" eu disse pegando os livros de matemática da primeira aula.
"Que pena...pensei que você teria mais aventuras desta vez..." Leila me dizia passando mais uma vez o batom vermelho em seus lábios, fixando-se no espelho, seu melhor amigo.
"É...talvez na próxima, quando a Paula souber fazer festas de verdade" eu disse, com um ar de desprezo.
"Bom, se você quer uma festa de verdade vai ter uma no barzinho da leste, muito boa por sinal, eu já fui, muita dança, bebidas e gatinhos, só tem que tomar cuidado com o lugar, é meio periferia e...vocês sabem" Leila disse guardando o espelho e o batom no bolso.
A imagem de um grande "não!" da minha mãe já veio a minha mente.
"É...talvez" só se eu mentisse, de novo, só assim ela deixaria.
Eu ia a muitas festas, mas nunca especifiquei para minha mãe onde elas eram e com quem eu ia exatamente, para ela, Maurício, Maria e Leila não eram bons exemplos, ela estava certa, mas eu percebi isso tarde demais.
"Droga! Eu não aguento mais as aulas do Jeffer! Ele dá uma aula de 50 minutos e eu só escuto blá, blá, blá, X!" Maurício gesticulava suas mãos como um fantoche.
Concordamos e entramos na sala, vazia pelo horário, sentamos nos lugares de sempre e seguimos nossa rotina das aulas do Jeffer, bilhetes, salgadinhos e brincadeiras ocultas, ele era tão lentinho que nunca percebeu o que fazíamos, talvez seja por isso que eu nunca bombei em Matemática.
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I Segundo Para o Fim do Mundo
PertualanganA vida para uma adolescente normal num mundo normal,já é complicada,mas a vida de uma adolescente não tão normal num mundo pós-apocalíptico é pior ainda. Elisa perdeu seus pais no arrebatamento e está dividida sobre o que realmente teria acontecido...