Acordei no meio da noite.
Eu não parava de pensar na minha família desde que eles partiram, e isso estava doendo, muito mais do que eu imaginaria, antes nos meus altos momentos de raiva eu até pedia para ter nascido em outro lugar, com outros pais mais liberais e com outro irmão, um pouco menos chato, e agora o que eu mais quero é poder tê-los junto a mim de novo.Eu chorei, chorei e chorei, parecia que meu corpo abriu os meus olhos o suficiente para sair os 70% de água que haviam nele, resolvi ir pra sala, talvez lá em baixo eu pudesse refrescar um pouco a mente, porque lá fora eu certamente não podia ir.
Enquanto eu andava pelo corredor avistei o quarto do Matt, a porta estava aberta então pude ver Gabriel sentado perto a janela, observando a escuridão e o profundo vazio da rua, pelo visto ele também não conseguia dormir.
Estava silencioso...estranho.
"Gabriel?" eu chamei, me aproximando do quarto, ainda não podia vê-lo bem, a escuridão não deixava.
Ele virou para trás e me viu, pediu para que eu me aproximasse e se sentasse perto dele, ele perguntou se eu também não conseguia dormir, eu disse que sim e falei o motivo, as minhas lembranças.
"Sabe, eu também não consegui dormir" vi que a expressão dele mudou, ele estava bem mais sério do que antes. "Mas não foi por causa de lembranças..."
Ele olhou pra mim."Lis, o que vai ser de nós agora?" mesmo no escuro conseguia enxergar os olhos dele sem brilho, sem foco. "Eu sei que eu deveria estar te consolando agora, pensei que era forte o suficiente pra carregar nós dois, mas eu nem sei mais o que te dizer, eu fui tão burro, tão idiota, pensei que estava seguindo o caminho certo mas olha eu aqui... Será que a gente vai aguentar tudo que o apocalipse tem a oferecer? Eu não sei se vou aguentar, a próxima trombeta está próxima...como eu vou aguentar? E depois disso virão outras e outras pragas que Deus vai colocar sobre a terra, você sabe! Não vamos durar muito tempo! E o que mais me dói é que...é que eu não posso fazer nada!" seus olhos marejavam pela primeira vez em três anos...ele não se abria desse jeito comigo, realmente estava abalado.
"Eu não posso te salvar Lis, eu não posso nem ME salvar! E como eu posso pedir misericórdia de Deus se não consigo ter misericórdia nem com meu próprio pai!? Como Deus vai aceitar alguém assim? Que nem eu? Um cara tão lixo! Eu nunca ouvi minha mãe, Lis, eu nunca ouvi ela! Ela disse que eu precisava mudar, ela disse!" ele se apoiou no meu ombro tentando conter as lágrimas, ou só pra não olhar mais pra mim, assim...indefeso.
Eu não sabia o que fazer, Gabriel estava muito chateado mesmo e eu sabia que tudo que ele tinha falado era verdade, também sabia que eu era a única pessoa pra quem ele podia contar essas coisas e ter um apoio, fiquei receosa de dizer mas o aconselhei da forma que iria começar a me aconselhar a partir daquele momento.
"Podemos estar numa grande enrascada, eu sei! Mas ainda tem alguém que tem controle sobre tudo isso" formulei mais coisas em minha mente.
"Talvez Ele ainda possa nos ouvir, talvez ele nos dê uma última chance, se nos dedicarmos à Ele talvez as coisas mudem, Ele pode nos guiar até que estejamos prontos para sair daqui...encontrá-Lo..." eu passava a mão sobre o cabelo castanho-escuro e enroladinho dele, macio e leve.
"Se realmente nos entregarmos à Ele temos esperança! É o que o Pr.Louis tem falado em quase todas as reuniões, "o vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu Deus e ele será meu filho" lembra disso? Tenha fé!" eu passava minha mão pelas costas dele, tentando o consolar, podíamos estar mais fiéis agora mas nós dois tínhamos sido bem rebeldes antes de estarmos ali, sabíamos disso.
"E nem vem com essa história de que você é um lixo! Pode ir parando! Você sabe muito bem que você é muito mais que isso pra mim, se não fosse por você nem sei se estaria aqui agora, você é o meu melhor amigo! Um de verdade, um que se importa..."
Ele levantou a cabeça e me olhou meio impressionado, é claro que eu sabia o porquê, até ele me perguntar eu ainda nem tinha certeza se acreditava no que aconteceu e nem mesmo em Deus.
"Você tem razão...vamos ter que aguentar até o fim...Ele é a nossa única esperança agora" ele colocou seu braço direito sobre o meu ombro. "E acredite dona Elisa, eu vou estar no céu com você"
Sorri para ele, dei-lhe um abraço, ele me agradeceu pelo conselho e desde esse dia prometemos que enfrentaríamos tudo o que estávamos destinados a enfrentar.
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I Segundo Para o Fim do Mundo
AventuraA vida para uma adolescente normal num mundo normal,já é complicada,mas a vida de uma adolescente não tão normal num mundo pós-apocalíptico é pior ainda. Elisa perdeu seus pais no arrebatamento e está dividida sobre o que realmente teria acontecido...