Aquilo era uma loucura, mas era apenas o começo. A batalha entre as tropas élficas e as hordas demoníacas era intensa. Öfinnel não pensou duas vezes e engajou-se no combate. Havia um demônio enorme que chamou sua atenção. Suas asas tinham envergadura colossal e seus movimentos lhe causaram arrepios. Aproximando-se mais, notou que não era um demônio de fato, mas sim um dragão que servia de montaria para um comandante élfico. O dragão abocanhava os magérrimos demônios alados, enquanto aquele o montava lançava jatos e bolas de fogo que abatiam outros mais como insetos. Muitos destes, em chamas, se atiravam no lago sendo engolidos pela água e expelindo fumaça escura.
A batalha decorria em duas frentes. No ar, o comandante no dragão liderava algumas dúzias de elfos montados naqueles estranhos construtos conhecidos como hipogrifos. Combinação de corpos de cavalos magérrimos, de ossatura leve e frágil, com cabeças e asas de grandes aves de rapina, de bico dentado, temperamento instável e fome voraz por carne. Muitos destes feiticeiros e arqueiros que montavam tais bestas abatiam demônios à distância com flechas e raios multicores.
Abaixo, a pequena ilha rochosa estava repleta de demônios rastejantes e asquerosos, com seus múltiplos tentáculos, ou pernas aracnídeas, combatendo elfos que formavam pequeno cerco ao Templo de Triox-lón. Este era constituído de rochas escuras e torres pontiagudas, erguido homenagem ao deus venerado pelos Vetmös após a cisma de Merrin. De seu interior, luzes ora púrpuras, ora esverdeadas cintilavam escapando de todas portas e janelas. Estava envolto numa espessa névoa leitosa que escorria cobrindo toda sua superfície. Sob tal névoa, rastejavam centenas de pequenos demônios que variavam entre ratazanas ferozes e sem pelo, a lagostins-escorpiões cascudos e cheios de espinhos. Alguns elfos que se aproximavam do templo eram cobertos por uma dúzia ou mais daqueles demonetes.
Öfinnel acertou dois demônios alados com as lanças que tinha à disposição. Com isso chamou a atenção de alguns deles para si. Um agarrou-o pelas costas e cravou os dentes em seu ombro. Como ele vestia armadura sob a espessa capa invernal, a criatura surpreendeu-se ao quebrar alguns dentes contra o duro metal. A espada que portava, se foi, pois ficou presa quando atravessou sua lâmina no abdome magro daquele infeliz. Desviou-se da lança de outro, mas o golpe penetrou a carapaça da tan'ala colocando-os sob forte turbulência. Ele ordenou com urgência - Para baixo! Pouse! Pouse!
Não foi um pouso bem sucedido. O rei caiu e rolou um pouco sobre as rochas do caminho que ligava o pequeno porto ao templo, na parte mais alta da ilha. Estava um pouco tonto, mas inteiro. Retirou o escudo que tinha preso às costas e buscou o grande machado ateado às bagagens. A tan'ala estava indócil e não seria razoável voltar a montá-la. Seguiu morro acima para juntar-se à batalha ao redor do templo.
Retirou a capa, apesar do frio. Sentiu a testa arder. Um pouco de sangue escorria sobre o olho esquerdo e limpou-o com a capa antes de deixá-la no chão. No percurso, viu que no ar a batalha estava sendo decidida em favor dos elfos. Um demônio caiu perto do rei, completamente esmagado após ter sido alvo da pesada cauda do dragão.
Um dos elfos que batalhavam no ar, sem usar montaria, zuniu por cima da cabeça de Öfinnel e pairou um pouco adiante. Seus cabelos longos e castanhos pareciam ter vida própria, animados pelo vento sobrenatural que o circundava. Sua mão esquerda apontava para o céus, com os dedos unidos num gesto peculiar. Já a mão direita segurava um cajado prateado com gemas azuis que brilhavam com fraca intensidade. O rei seguiu subindo com leve dor nas pernas. Sentiu aquele vento gelado crescendo aos poucos até tornar-se um pequeno tufão. A ventania soprou a névoa que circundava o templo e muitos daqueles demonetes, agora inseguros e sem cobertura dissipavam-se.
O dragão e a tropa de hipogrifos aterravam em auxílio aos elfos que combatiam em solo e em desvantagem. O holmös corpulento juntou-se a este combate recebendo olhares de estranhamento. Não havia tempo de conversar e dizer quem era e por que estava ali. As perícias em combate do rei estavam retornando, remontando aos tempos em que fora chamado de Barba de Leão pelos Razins. Na ocasião, ajudou a unir povos primitivos no vale vizinho de Vellistrë. Aqueles acontecimentos de centenas e centenas de anos passados já estavam enevoados na memória do rei.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Öfinnel. Rei. Vidente. Guerreiro. Lenda.
FantasíaÖfinnel foi o último rei de Vellistrë antes que fosse destruída pelas hordas de demônios invasores. Determinado, forte e imortal. Está vivo há incontáveis gerações e sua memória vai se perdendo aos poucos. Fortes ondas do destino impelem suas açõe...