Josias

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Josias, um rapaz de cidade pequena, era um bocado simplório. Nunca havia visitado a capital. Em sua primeira investida em São Paulo resolveu conhecer de perto a famosa avenida Paulista. Quando desembarcou no Tietê já era bem de noite. Ficou maravilhado com a visão que teve. Os carros pareciam vagalumes velozes que passavam rapidamente diante de seus olhos. Não conseguia entender porque tanta pressa depois que o sol havia se posto. Em sua cidade tudo que era importante se fazia de dia. A noite guardava o corpo para o descanso e a família. E o dia começava bem cedo, na lida do gado e o manejo da roça. Deixou de lado sua perplexidade e tomou o metrô, com a ajuda de um guarda da estação. No primeiro movimento do trem quase caiu sentado. As poucas pessoas em seu vagão seguraram o riso e o olharam com notável estranheza. São Paulo sempre abrigou pessoas de todas as culturas, isso não era uma novidade, mas naquela hora da noite, Josias não conseguiu passar despercebido. Sua inocência não corava sua face, nem tampouco se importava. Tratou de sentar em um banco e ajeitou sua pequena mala de mão entre as pernas. Sua curiosidade agora focava no esquema todo colorido com o mapa das estações. Cada nome mais estranho. O guarda o instruiu a pegar a linha verde. Era só o que sabia. Tentou puxar assunto com a moça ao lado, ela fingia dormir, abriu os olhos um pouco e não se incomodou com seu início de conversa. Josias insistiu em mais duas perguntas e o silêncio continuou. Um velho algumas cadeiras a frente o olhou com desânimo e abaixou a cabeça. Josias acabou o imitando. De repente já não estava tão ansioso em conhecer a famosa avenida. Se as pessoas de lá fossem como as do trem, não valeria a pena seu esforço. Aí se lembrou com saudade de sua mãe, já falecida, que nunca pôde conhecer a capital e falava disso o tempo todo. Seu principal objetivo naquela cidade era tirar uma foto de São Paulo em sua velha máquina de filmes e enquadrar no túmulo de sua mãe. Resolveu não se importar com a frieza das pessoas e se manteve firme em seu propósito inicial. Fez a baldeação com a nova linha e desceu na Paulista. Ainda estava bem escuro para usar sua máquina. Seu estômago já reclamava um pouco de sua atenção. Caminhou pela rua a procura de algum lugar para comer. O frio era severo. Logo a frente havia um pequeno bar. Entrou. Havia dois homens atrás do balcão e um cliente debruçado em uma das mesas. Não soube dizer se o senhor estava dormindo ou desmaiado. Já havia visto cena parecida na roça, então preferiu não o importunar. Sentou-se nos banquinhos altos do balcão e pediu um café. O atendente e o outro homem, que estava no caixa, o olharam de cima em baixo, como se medissem suas dimensões. Achou interessante, mas também estranho, porque só fazia isso com as vacas em sua terra. O atendente serviu o café e continuou observando. Josias perguntou as horas. Eram quatro da manhã. O sol daqui a pouco nasceria. Pagou seu café e saiu. Caminhou até a frente do prédio do Masp, e sentou-se na escadaria. Ficou alguns minutos esfregando uma mão contra a outra. O céu começava a mudar sua tonalidade. Os primeiros raios de sol iam rasgando a escuridão e iluminando toda a avenida. Josias observava os vagalumes de lata correndo de um lado para o outro. Aquela harmonia forçada ditando a sonoridade do amanhecer. Sentiu falta do canto dos pássaros. Ali não havia pássaros. Sentiu falta do cheiro da mata. Ali restavam poucas árvores isoladas em blocos de concreto. Sentiu tristeza. Queria estar perto de seu pai e de seus irmãos mais novos. Relembrou sua infância. Se perdendo em pensamentos Josias não percebera que o sol havia nascido por completo. O fluxo de pessoas já era mais intenso. O barulho também. Atravessou a avenida até o centro entre as duas vias. Ficou de frente para a luz e se fotografou com a avenida ao fundo e toda sua rica arquitetura. Resolveu tirar mais uma foto para garantir, o rolo de filmes ainda estava no começo. Imaginou como aquela fotografia ficaria bonita ao lado da foto de sua amada mãe. Sorriu. Sua missão estava cumprida. Agora poderia voltar para sua mãe, para dentro de suas limitações humanas, demonstrar todo o afeto que sentia por ela. Uma simples foto que diria mais que qualquer palavra expressada em vida. Estava muito feliz. O sol estava mais forte e atacava seus olhos. Os carros iam e vinham freneticamente. Um passo a frente. Um passo errado. A máquina atirada longe. E todos os sonhos. E toda a simplicidade de um homem que sonha. Seis e meia da manhã. E o dia só começava na capital.

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⏰ Última atualização: Oct 31, 2015 ⏰

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