O Corvo Inexistente

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Estou sozinho, tão só... meu corpo dói, acho que quebrei a mão. A noite os ratos fazem a festa em Centralia, e os podres mendigos dos túneis do sul também. Viver em um lugar como esse é muito perigoso. Vi coisas nos túneis, que fariam suas entranhas revirar e regurgitar todo o resto de comida que há nelas. Essa é minha vida, bem vindo a desolação.

Nico está perto de alguns tambores em chamas na via 126, um dos poucos em que os ''Pacificadores" não vão tão recorrentemente. Chego perto dele, ele está assando o que parece ser um gato ou um rato, mas é grande, então deve ser um rato.
Nico : - O que aconteceu com sua mão, cara? - Ele chega perto e começa a cutucar minha ela.
Eu : - Para com isso! Tá doendo seu maníaco!
- Desculpa! - diz ele, enquanto pega um trapo qualquer e começa a enfaixar minha mão com cuidado.
- O que foi que aconteceu com você? Porquê está tão machucado? - Ele faz uma expressão questionadora, gosto quando ele levanta aquelas sobrancelhas grossas. Me faz lembrar o dia em que nós nos conhecemos, foi quase como hoje.
Vou até o rato assado e arranco um bom pedaço de carne, e digo : - Ontem os Pacificadores foram até os muros, eu estava caçando um cachorro por perto, eles me viram... - Faço uma pausa, enquanto mordo um pedaço de carne dura daquele rato monstruoso, e continuo. - Tive que correr muito, por pouco eles não me alcançaram... mas, quando estava perto dos canais tropecei e cai em cima de alguns destroços da antiga ponte. Oh, como doeu. Solto um sorrizinho e ele me retribui.
Nos sentamos um perto do outro, mesmo com o fogo tão perto, o frio é avassalador, muitas vezes observamos alguns mendigos mortos nos túneis, totalmente congelados.
Nico chega mais perto, e pega minha mão machucada.
- Ela não está quebrada, é apenas teve uma leve luxação... mas poderia ter sido pior.
Sorrio e brinco : - Bom saber que não vou ter que perder a mão hoje! - Ele me dá um leve soco no ombro. É difícil sorrir em nossa condição, não temos muitos motivos para sorrir... mas Nico sempre será um deles.

Meus pais foram mortos pelos Pacificadores assim que A Aliança se instalou no poder e criou a Matriz. Eles lutaram para que todos tivessem liberdade para escolher quem deveria governar, porém foi tudo em vão... nunca mais os vi depois que eles foram levados para o "julgamento de averiguação", como os Pacificadores chamavam a execução em massa dos opositores da Aliança.
Já a história dos pais de Nico sempre foi uma grande dor para ele.

A Dr. Mikasa S. Yamada e o Dr. Yuri Romanov se conheceram na Zona Vermelha, local onde aconteceu a guerra entre os opositores e as Pacificadores da Aliança. O confronto aconteceu dias após a notícia de que a Aliança tinha unificado toda a América, do sul ao norte. Consequentemente, após isso todos os opositores que até então se escondiam, foram para as ruas. Logo por todas as Américas movimentos pró-democracia foram se juntando e rumaram para as capitais de cada país, agora tomada pela Aliança. O que deveria ser um movimento pacífico, logo se tornou um banho de sangue.
Assim que chegaram, a maioria dos manifestantes foram mortos a mando da Aliança, os que sobraram, fugiram ou foram pegos e torturados pela Ordem, o centro de investigação da Aliança.
A guerra durou cerca de 5 anos, os Doutores Mikasa e Yuri faziam parte de uma equipe especializada para socorrer os Pacificadores feridos, mas ao ver que não havia ajuda para os opositores, que sem socorro morriam facilmente, começaram a cuidar escondidos de feridos que eles encontravam pela zona, mas, infelizmente foram descobertos e logo após presos. Assim que a Aliança venceu a guerra, Centralia foi criada, e todos os opositores presos foram jogados aqui, entre eles Mikasa e Yuri. Tempo depois Nico nasceu.
Ele não gosta muito de falar sobre isso, mas assim que ele tinha 7 anos, alguns pacificadores apareceram nos túneis perto da represa a procura de seus pais. Os dois foram pegos, e Nico sem rumo teve que vagar por quase toda Centralia os procurando.
Mas, algo aconteceu. Algo que faria as nossas vidas não serem as mesmas. Algo que nunca mais mudaria. Eu o conheci.

Asas de CorvoOnde histórias criam vida. Descubra agora