Ela tem fome de diversão.

Leia sozinho se puder #1

Ela tem fome de diversão. Por: Roberto Silver

Criança inventa. Criança imagina. Mas, o medo, esse elas sempre expressam real.

Marta estava entusiasmada com a nova casa. A mulher de trinta anos adorou de cara aquela bela construção aos moldes das casas do inicio do século. Tinha uma fachada revestida em azulejos de um azul desbotado pela passagem do tempo, o que emprestada à casa um charme rústico. Mesmo assim, algo naquela residência passava um ar mórbido, uma sensação esfumaçada não muito agradável, mas não grande o bastante para não ser ignorada com certo esforço. A vizinhança era calma e o bairro era agradável. O lugar ficava em uma charmosa Rua do Recife antigo. Tudo que ela precisava depois do divórcio.

Mal encaixou a chave na porta para abri-la, sua filhinha Jane correu pela sala da casa nova. Jane tinha nove anos e era uma linda menininha de cabelos negros cacheados. Tinha uma alegria e um entusiasmo que contagiava com facilidade. A única coisa na sua vida que ainda a fazia se lembrar de ex-marido sem trincar os dentes de raiva.

Tudo estava empacotado e empoeirado e a penumbra se espalhava por todo cômodo deixando o ambiente com um ar um tanto pesado. Maria tratou de começar a desembalar e limpar a mobília antiga enquanto Jane corria por toda casa, explorando-a.
– Vá com calma, meu amor. – Advertiu Maria com ternura. – Cuidado para não se machucar.

Jane subiu saltitante a velha escada que levava ao andar de cima. No meio das três portas que se mostravam no estreito corredor, escolheu uma de cor rosa. Obviamente, era o quarto de alguma outra criança, e seria o de Jane, por escolha dela, de agora em diante.

Abriu a porta e entrou. Estava meio escuro, mas a luz pálida do sol da tarde entrava pela única janela na outra extremidade do quarto apaziguando as trevas. Tudo parecia em ordem. Os antigos donos deixaram todos os móveis no lugar. Não demorou, Jane notou um antigo baú ao lado da cama. Abriu-o. Esperava achar, talvez, muitos brinquedos – Seria realmente ótimo, já que, apesar de seus inúmeros apelos, sua mãe não a deixava ter nenhum.

Veio a surpresa: no fundo do baú não havia nada além de uma velha caixa de papelão. Parecia ter décadas; estava rasgada e desbotada, mais ainda podia ler-se os dizeres no topo da caixa: "Boneca Babá Barrigudinha. Ela tem fome de diversão".
A menina abriu a caixa com excitação e retirou de dentro uma pequena boneca. Mas, estranhamente, o brinquedo estava envolvida por faixas, como se estivesse amarrado. E, mais estranhamente, a maior parta das faixas envolvia sua pequena boca. Curiosa como de costume, Jane começou a desenrolar a pequena boneca que usava um delicado vestido branco, tinha grandes olhos azuis e cabelos negros.

Jane tentou ligar a boneca, mas, o brinquedo era antigo, não parecia igual às bonecas eletrônicas que a menina estava acostumada a ver nos comerciais de TV. Depois de muito mexer e analisar o brinquedo, descobriu que a parte de baixo da mandíbula dela se destacava, destravando uma enorme boca. Da bocarra escancarada brotou uma fedentina medonha de algo podre que tomou todo o quarto em segundos. Jane largou a boneca ao chão e com a mão tapando a boca e nariz buscou de abrir a grande janela. O ar puro da tarde tratou de levar o cheiro embora.

De novo a menina analisava o brinquedo. Era realmente uma criança muito curiosa – inteligente como o pai, a mãe odiava admitir. Não era de se assustar fácil. Apesar do estranho aspecto do brinquedo, endireito-o e resolveu guardá-lo novamente – não seria bom se sua mãe soubesse disso. Minutos mais tarde, já com a lua alta no céu, sua mãe, Maria chamou-a para jantar.

– Como é o seu quarto, querida? – Quis saber a mãe, colocando um pouco de sopa no prato da menina.

– Lindo, mamãe! – Respondeu, entusiasmada. – Tem uma cama grande e um guarda roupa lindo. E tem também... Um velho baú ­– esperta, a menina resolveu omitir no ultimo instante a parte sobre o brinquedo.