"Aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor." – 1 João 4:8
– Oh meu Deus! Não pare! Minha Nossa Senhora, não pare agora!
A vizinha berrava há mais de quarenta minutos. Quarenta minutos em que ela vinha tendo relações sexuais e proferindo o Santo Nome em vão.
Por mais que o barulho me incomodasse, eu não poderia reclamar, afinal eram três horas da tarde de um domingo e as regras sobre o silêncio estavam longe de serem cobradas. Ela poderia continuar com o barulho até às oito da noite e ninguém poderia reclamar, nem mesmo dona Gertrudes, que era vizinha de parede com o quarto da nova vizinha.
Por sorte, a parede do meu quarto ficava ao lado da sala da vizinha berrona e por ter paredes tão finas quanto papel, o barulho era mais alto do que eu gostaria. Eu morava nesse apartamento há mais de seis anos e esta foi a primeira vez que precisei ligar o aparelho de som para abafar os barulhos vindos de um dos apartamentos próximos ao meu.
Quando a garota se mudou, acreditei que seria apenas mais uma vizinha e que por morar aparentemente sozinha, não causaria problemas. Eu estava muito enganado.
Há duas semanas, na primeira sexta-feira após sua mudança, ela organizou uma festa em seu apartamento. Às onze horas da noite, quando retornei do grupo de jovens do qual faço parte, a festa estava em plena atividade. Foi assim até pouco depois das duas da manhã, quando a polícia foi chamada para acabar com o tumulto no apartamento.
Na manhã seguinte a festa, encontrei dona Gertrudes na padaria onde eu tomava meu café diariamente. A senhora viúva reclamava da festa, das pessoas estranhas entrando e saindo do prédio, da música de péssimo gosto e principalmente reclamava da cama que batia na parede. Ouvi suas reclamações por vários minutos e sorri, pois minha noite de sono havia sido ótima, graças aos fones de ouvido e ao mp3. Tive até vontade de recomendar isso à dona Gertrudes, mas a senhora estava tão exaltada que não me ouviria, assim como não viu a nova vizinha entrando na padaria atrás dela.
A vizinha nova resolveu aparecer no exato momento em que dona Gertrudes estava falando da quantidade de gritos e palavrões proferidos durante o que parecia ser uma confraternização do demônio. Eu até tentei, mas não consegui segurar o riso nesse momento.
Se ouviu, a vizinha não se importou, pois não esboçou nenhuma reação. Se bem que era difícil ter certeza, já que ela estava usando óculos escuros imensos, o cabelo solto ao redor do rosto e em nenhum momento olhou para os lados. Nem mesmo quando parou perto de mim.
Sua voz chamou minha atenção, quando ela pediu dois pães integrais. Era uma voz rouca e profunda. Além da voz, era quase impossível não reparar em suas roupas. Ela usava uma camiseta de banda de rock tão grande que não dava para ver se ela usava algo por baixo. Eu só tive certeza de que ela estava usando um short, quando ela tirou o dinheiro do bolso da frente para pagar o pão.
Nessa hora, ela soltou o celular ao meu lado e ao pegar a sacola com o pão, acabou esquecendo o aparelho. Sem agradecer ou se despedir, a vizinha mal-educada e barulhenta caminhou decidida em direção ao nosso prédio.
Fiquei alguns segundos olhando para o celular esquecido, pensando se deveria levar até ela ou se entregaria para dona Gertrudes fazer isso. Eu adoraria ver esse encontro, mas como não era certo desejar ver duas pessoas se agredindo verbalmente, optei por eu mesmo entregar o celular; Quem sabe assim, com um pouco de sutileza, poderia pedir para a vizinha diminuir o volume dos gritos ou colocar isolamento acústico em seu quarto.
Pegando o celular cor de rosa que estava ao meu lado, coloquei-o dentro da minha mochila e fui até o caixa da padaria pagar pelo café. Como era de costume, fiquei alguns minutos conversando com Priscila, a atendente, e acabei me atrasando. Eu teria que entregar o celular quando voltasse.
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Miguel - (Degustação)
RomanceSinopse "O amor é paciente, o amor é bondoso. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas cessarão, o conhecimento passará. Assim, permanecem agora estes três: a fé, a esperança e...