Mesmo com tudo isso do Elísio e da Sofia acontecendo, uma coisa não sai da minha mente: as pessoas do hospital. Tentei algumas vezes perguntar ao Lino sobre seu trabalho, sobre o que ele chama de "mundo real", mas ele não colaborou com nada. Na verdade, tenho a impressão de que ele está me ignorando de algum modo. Com o tamanho da casa, não é tão difícil assim.
O caminho do centro para casa é longo, dá tempo para pensar sobre aquela cena, sobre meu Grande Motivo. Sobre minha família. Ontem, Lino teve sua primeira evidência da volta. Foi rápido, uma pequena falta de ar quando levantou Lara nos braços, mas teve um peso grande, por que agora esses momentos estão oficialmente iniciados. Lino não deixa que compremos os remédios que combatem os efeitos, ele diz que são testes em massa, e que não vai virar cobaia de laboratório. Ele continua trabalhando no centro social, mas daqui a dez anos se aposenta. Os efeitos dos últimos vinte anos da volta são graves de mais para serem ignorados. Minha mãe era engenheira civil, costumava nos levar pela Cidade Alta e mostrar os edifícios que ajudara a construir e as praças com "árvores" de fibra de carbono que crescem que ela desenvolvera ( e que patente! Nos dá dinheiro até hoje). Bem, isso era quando ela conseguia andar mais de 50 metros sem começar a desmaiar. Já meu pai...sempre que penso nele me impressiono com a escassez de informação que sei sobre ele. Ele era 10 anos mais velho que minha mãe, e estrondosamente rico, por dois motivos: meu avô, que era um dos 5 homens mais ricos do país (meu bisavô era sócio do departamento de pesquisas que nos deu nossa dupla de trinta anos, e deixou todo o patrimônio pro meu vô ) e por quê era um Supremo. Ficava no setor de comunicação internacional, algo tão importante quanto desconhecido. A maioria das pessoas nem sabe que essa área existe, por que as escolas foram abolidas, e tudo o que se aprende em casa é restrito, limitado. Os fatos não são claros, nem confirmados...são lendas, assim como a existência de outros países também não é confirmada, e com isso, não se sabe nada sobre o setor do meu pai. Pois bem, mas ele existe. Ao que parece, fazemos parte de um dos países que venceu a "epidemia" mas onde estão os outros, o que fazem, se tem ou não apenas 60 anos de vida, só os Supremos dessa área sabem, e talvez nem eles.
Fernando, meu pai, era muito calado, lacônico mesmo, e não tinha uma relação próxima com os filhos. Viajava muito, por todo o país, talvez para fora, mas nunca sabíamos detalhes, só que " ia viajar mas voltava antes de ..." . Queria ter conhecido ele quando era jovem, conhecer a pessoa pela qual minha mãe se apaixonou, por que aquele velho soturno NUNCA teria conquistado minha mãe. Ela é extrovertida e faladora, absolutamente carinhosa e gentil e quando em seu auge, não parava quieta por mais de 2 minutos. Estava sempre correndo de um lado pro outro com papéis, desenhos, projetos... Eis uma pergunta que tenho que fazer a ela: por que se casou com meu pai?Estou quase chegando no meu condomínio quando vejo no céu do crepúsculo uma linha de fumaça vermelha. Bem em cima dos campos da Cidade Baixa. Uma cicatriz do céu, em reta, como a tragetória de um arcaico avião a jato. Abro a janela para ver melhor e diminuo a velocidade. Que estranho, o que será que é? Não podem ser fogos de artifício por que a muito tempo estão proibidos, muitas pessoas se machucavam com aquilo. Chego a entrada do condomínio e entro, passando pelo portão principal. O carro emite uma luz azul, pedindo que o recarreguemos. Ele não é o único com pouca energia aqui.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Antes que o tempo acabe
Science FictionEm um planeta Terra futurista (mas não tanto assim), o jovem Lucas leva a vida sem expectativas, sem o que ele chama de Grande Motivo. Em meio a seus problemas adolescentes, crises existenciais, obrigações e exigências da vida, e a perda de amigos e...