15º Capítulo - Clara

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Pude notar o caminhar da lua pelo céu. Creio que permaneci ali, sentada, por longas duas horas.

Chorei, pensei e, aos poucos, fui me acalmando. A brisa fria calmamente brincava com as folhas das árvores. Meu cabelo frequentemente era forçado pelo vento a dançar. Entretanto, nem notava.

Estava tão vidrada nos acontecimentos passados, tão perdida e confusa... Sentia como se estivesse sufocando aos poucos e, à distância, Jake observava-me morrer.

Não! Ele não me observava. Isto era apenas uma impressão. Quem sabe não passava de uma vontade, uma esperança...

Resolvi que era melhor dormir. Uma leve sensação de que o dia seguinte seria triste pesava em meu peito. Algo me deixava inquieta... Minha mente afirmava que não havia nada, que esta sensação era idiotice, mas meu coração insistia na ideia de que o dia será, provavelmente, um dos mais difíceis de minha vida.

Levantei-me e fui em direção ao palácio. Dormir agora me parecia uma ótima ideia.

×××

O sonho foi frustrante.

Eu estava em uma batalha. A meu lado posicionava-se Jake e, a minha frente, postavam-se meu pai, minha mãe, tia Aurora, tio Marcel e todos os Luminescentes.

Lancei um olhar preocupado para trás, achando que só estávamos eu e o "traidor" contra aquele exército enorme e poderoso, mas espantei-me ao notar muitas pessoas significativamente fortes e devidamente armadas.

Os olhos de Jake cintilavam num verde medonho. A expressão que mamãe trazia no rosto era de decepção, o que me fazia ter vontade de sentar no chão, enfiar o rosto entre as mãos e chorar até que meu reservatório de lágrimas esgotasse. Papai parecia sem saber o que fazer.

De repente, ouvi alguém gritar "ataquem!" e acordei num sobressalto.

Minhas roupas estavam encharcadas e minha cabeça doía. Olhei para a janela e notei que os primeiros raios de sol invadiam o céu. Como não sentia-me muito bem, resolvi que era melhor tomar um banho para relaxar um pouco.

Assim fiz. Fui até o banheiro e perdi-me em pensamentos. Enquanto a água quente escorria por meu corpo, minha mente viajava para bem longe daquele recinto fechado.

A lembrança do sonho causava-me arrepios... Alguma coisa me dizia que aquela cena poderia se tornar verdade, bastava uma escolha errada.

Meu estômago roncou.

Enxuguei-me lentamente, vesti minhas roupas (uma calça jeans gasta e uma blusa de alcinhas em que se lia "I love NY") e fui para a cozinha.

A passos preguiçosos, segui pelos corredores do palácio em silêncio. Não havia ruídos. Todos os luminescentes dormiam. Ou melhor, eu achava isso...

Tudo estava quieto até que alcancei a sala de reuniões. Seguiria adiante de forma normal se vozes não tivessem surgido lá de dentro.

Aproximei-me da porta - que estava fechada - e encostei minha orelha na madeira, com o intuito de ouvir quem falava e sobre o que discutiam.

_ Ela precisa saber! - era a voz de mamãe que soava alterada pela irritação. - O fato de ter o sangue do Caos e da Luz correndo por suas veias esclarecerá muitas de suas dúvidas.

Um calafrio percorreu-me o corpo. Tinha a leve sensação de que falavam sobre mim.

Mas sangue da Luz e do Caos? Como isso era possível?

_ Não! - soou uma voz severa. Era Aurora, contradizendo a vontade de mamãe. - Se ela souber, pode querer trocar de lado. Vai se sentir no direito de escolher.

_ Mas ela tem esse direito, certo? - perguntou uma voz abafada, mas reconheci como sendo a de tio Marcel.

_ Ela jamais faria isso! - exclamou papai. Sua voz era inconfundivelmente rígida.

Certo tipo de medo começava a me sufocar. Sangue do Caos... Em mim...

_ Mas Lucy, você é como ela. Possui o sangue dos dois lados e... - comentou tio Marcel.

_ Ela está confusa. - interrompeu mamãe, claramente em minha defesa.

Creio que a ameaça de minha possível escolha assombrava aos quatro presentes naquela sala. O pior é que o medo era justificável... Eu corria o risco sim de trocar de lado e esta terrível ideia causava-me arrepios. Infelizmente era a verdade. Já possuo os dois lados, temo que o que prevaleça seja o errado.

_ Se ela sequer sonhar em trocar de lado, teremos que tomar algumas providências. - irrompeu tia Aurora em tom sombrio.

Aquela frase foi como uma bofetada.

_ Providências? - perguntou tio Marcel.

_ Infelizmente sim. Ela não pode se tornar do Caos em hipótese alguma. - explicou ela.

Uma terrível sensação de pânico encheu-me os pulmões, sufocando-me instantaneamente.

"Não posso..."

Aquelas palavras ressoavam em minha cabeça. Primeiro escondem de mim uma revelação que explica grande parte de meus problemas: tenho sangue do "time oposto". Depois, dizem que tomarão providências caso eu queira trocar de lado, já que não tenho esta escolha como uma opção.

Cambaleando, afastei-me daquele cômodo.

Atordoada, não notei que tia Ana caminhava naquela direção. Trombei com ela e caímos juntas no chão.

Meus olhos lacrimejavam.

_ E-eu... Eu... - gaguejei.

_ Estava ouvindo por detrás da porta? - perguntou ela, atônita por conta da colisão.

_ Desculpe-me... - murmurei.

Levantei-me, auxiliei tia Ana a ficar de pé e saí correndo.

Ouvi a porta se abrir e a voz de mamãe chamando por meu nome, mas não dei atenção.

Naquele momento, minha vontade era a de sumir.

×××

Quando alcancei a floresta, hesitei.

Minha decisão há alguns segundos atrás tinha sido a de adentrar aquele lugar sombrio e perder-me lá dentro. O problema era não saber como voltar.

Meu lado racional gritava, implorando para que não fosse adiante com isso, mas meus sentimentos queriam que o fizesse. Ficar longe de tudo e de todos por um tempo seria maravilhoso... Poderia chorar em paz.

Estufei o peito e, antes que me arrependesse, corri para dentro daquele emaranhado de árvores, matos e sombras indefinidas.

Corri por longos minutos. Não pensei em marcar o caminho ou qualquer coisa do tipo - minha pretensão não era voltar. Na verdade, eu só queria fugir, sem nem pensar nas terríveis consequências de meus atos.

A floresta era úmida. Suor escorria por meu rosto e eu me sentia muito cansada. Cansada fisicamente e espiritualmente.

Como mamãe pôde esconder minhas origens? Como tenho sangue do Caos? Meu Deus, por que ela não me contou nada?

Lágrimas embaçaram minha vista. Ficou difícil enxergar, mas continuei correndo.

De repente, trombei em algo e caí bruscamente no chão. Limpei os olhos, deixando assim a visão mais nítida, e pude notar que não havia colidido em algo, mas sim em alguém.



O Ciclo de Sangue - A Escolha da Herdeira (livro 02)Onde histórias criam vida. Descubra agora