Ritinha

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Ritinha é um caso complicado da natureza humana meu chapa. O Zé Roberto, pai dela, uma figura que depois da cachaça diária com os amigos no boteco chegava em casa quebrando tudo. Espancava Adalgisa que era mãe da Ritinha. Adalgisa tinha que dormir no chão para que o Zé levasse umas putas sujas e drogadas pra transar na cama deles. As vezes era obrigada a participar e quando o Zé não tinha grana batia na esposa e escondido estrupava Ritinha sua filha. Escondido na cabeça dele né?  Adalgisa ouvia tudo calada, uma vez que tentou apartar terminou no hospital com politraumatismo. Quebrou o pulso esquerdo, a mão, a tíbia e trincou a patela e o fêmur.  Agora ela ouvia o que ele aprontava com a Ritinha quieta. Ligou uma vez pra Polícia mas ai chegaram só duas horas depois e quando questionaram o chamado foi levado pra delegacia. Ritinha e Adalgisa relataram os abusos. Tiveram que abrir o B.O. depois fazer o corpo e delito. No fim da tarde os três foram embora e o Zé além de bater novamente nas duas avisou que na próxima vez que chamassem a polícia pra "mentir" sobre ele, elas iam morrer. Na época Ritinha estava com 8 anos. Quando a mãe estava fodida da vida chamava ela de puta, pois sabia dela com o Zé. Sempre foi gorducha, na escola chamavam ela de bisão ou de Maria Redonda. Seu único amigo era Fábio que chamavam de Garibaldo. Na verdade ele meio que tinha vergonha de ficar perto dela, diziam que era Maria Redonda e Garibaldo namoradinhos. Numa noite dessas o Zé tinha comprado uma mordaça, uma algema e um chicote pra usar com a Ritinha durante o estupro. Passou no bar do Mauro e tomou duas garrafas de uma pinga vagabunda. Saiu do bar a socos e pontapés por estar vomitando e quando não vomitava abaixava as calças pra chamar a atenção das mulheres no bar e que passavam na rua. Foi embora sangrando e aos tropeços. Estava tão bêbado que se alguém não soubesse o significado disso acharia que ele dançava tango no meio da rua. Como a bebida o fazia sentir-se um super homem, foi atravessar a avenida de mão dupla já perto de casa. Não teve filme em câmera lenta. Também não teve últimas palavras memoriais ou pediu perdão. Quando olhou pra sua direita tudo o que saiu foi um "Puta que pariu" e o farol da carreta de tão rápida pareceu um Flash. Seu corpo foi arrastado ainda uns duzentos metros, o motorista que não era da cidade conhecido como Tonhão, parou sua carreta e como em todo lugar em segundos a avenida já estava cheia de curiosos e fofoqueiros. Ritinha e Adalgisa chegaram lá uns vinte minutos depois. Nao tinha o que reconhecerem do corpo, pois estava colado no asfalto e suas pernas com uns pedaços de tripas espalhados pela avenida. Quando todo o serviço de urgência chegou no local tiveram que remover o crânio e tórax grudado no asfalto com uma espátula. Ritinha dançava e pulava de um lado pro outro. Dona Adalgisa estava em choque. Sua tristeza e alegria oscilavam. Uma morte nunca é feliz, quando o morto é um desgraçado ainda sofre após a morte segundo dizem os religiosos.
Dois meses após o incidente com o Zé a Adalgisa entrou numa espécie de depressão. Talvez tenha a tornado co-dependente dele. Talvez tivesse e acostumado com aquela porcaria de vida que levava. O fato é que se sentia vazia e sem motivos para lutar. Estava pensando em suicídio faziam uns três dias. Isso até chegar a carta do Conselho tutelar por que a Ritinha não ia pra escola há uns dois meses. Enfurecida Adalgisa bateu nela e colocou de castigo. Bateu com uma espada de São Jorge até acabar com a planta e colocou de castigo ajoelhada no milho. Ritinha ficou enlouquecida gritando histérica "Você é igual o pai, uma filha da puta que me machuca" e pra completar a troca de espinhos Adalgisa rebatia dizendo "A diferença entre eu e ele é que depois de te bater não tenho um pinto como ele pra te deixar feliz como ele fazia".
Assim faziam o tempo todo, se ofendiam sem pudores ou qualquer respeito. Ritinha parou de frequentar a escola na oitava série e começou a trabalhar com faxina na casa de granfinos. Adalgisa virou alcoólatra e bebia vinte e quatro horas por dia, saia do sofá encardido só pra buscar outra garrafa de cachaça do bar do Mané, ele que só vendia pra ela fiado e nunca recebia mas ela pagava de outras maneiras ja que mulher nenhuma queria ele por que era feio e meio que sofria de um atrofismo, além disso era gago, tinha seborréia e suava feito porco no cio. No aniversário da Ritinha de 19 anos iniciaram a discussão já pela manhã, a velha estava bêbada e toda cagada dormindo sobre seu próprio vômito. Ritinha gritava apontando como ela era nojenta e por sua vez Adalgisa retrucava dizendo que pelo menos não pesava 200 kilos.  Na verdade Ritinha pesava 123kg e nem ligava mais. Se achava gostosa assim e que todos os homens olhavam pra ela. Ao menos tinha autoestima ou sei la o que era isso. Saiu pra trabalhar e no caminho encontrou seu amigo de infância, o Fábio. Entre um assunto e outro decidiram se encontrar naquela noite para comemorar o aniversário dela, deram até um beijo de língua.
O dia passou rapido e Ritinha chegou em casa gritando como sempre. "Levanta desse tapete velha suja, eu tenho um encontro hoje com um HOMEM coisa que você nem sabe o que é. Vamos! Saia do tapete não quero que ele veja um saco de lixo podre jogado no meio da casa".
Subiu correndo para o banheiro tomar banho. Escolheu a melhor roupa, ficou em dúvida sobre que calcinha usar e decidiu que sem calcinha estava bom. Passou um perfume vagabundo por todo o corpo que até os vizinhos podiam sentir. Desceu para a sala e lá estava ainda no mesmo lugar a velha Adalgisa. Deu uns chutes fracos nela pra ver se levantava. Abaixou para virar a mãe e dar uns tapas pra ver se acordava. Nada. Adalgisa estava dura feito pau com a boca roxa e os olhos saltados. Havia morrido meia hora depois que Ritinha saiu pra trabalhar. Morreu engasgada no próprio vômito. Ritinha berrava feito louca e fazia uma cena de novela mexicana correndo e quebrando tudo. Pegava a velha nos braços e mostrava pra todos na vizinhança em prantos questionando o por que. Só se acalmou quando Fábio chegou e ele cuidou de tudo. Comprou caixão e tudo o que devia ser feito. Enfiou Ritinha no fusca e ela quase não cabia e foram enterrar a senhora Adalgisa. Uma semana após o enterro Ritinha casou com o Fábio que vivia numa pensão e pouco se sabia sobre o que tinha acontecido em sua vida até então. Foram morar na casa de Ritinha mesmo e um de seus padrinhos era o casal de colegas que morava na frente num barraco mal feito e sujo. Colegas de vizinhança apenas por que nunca trocaram mais que bom dia ou boa tarde, mas à partir daquele dia seriam amigos. Era a Joana e o Jorge. Eles viviam emprestando tudo á Joana e Jorge , desde açúcar à  dinheiro e isso durou doze anos. Até o dia que por conta da banha e dos tantos cigarros Ritinha teve um AVC e foi internada. Joana pegou seu marido mas desta vez não foi emprestado. O tomou de assalto. Fugiram e foram morar em outra cidade.
Ritinha humilhou o Jorge em tudo o que pôde, mas ele não parecia nem estar ali. Ela começou a tomar uns antidepressivos tarja preta e misturar com cachaça. Perdeu alguns kilos e ganhou mais pelanca. Em alguns meses seus pés estavam inchados o que apontava uma cirrose.

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